Leio que J.K. Rowling, a autora da famosa série Harry Poter, acabou de lançar mais um livro da saga. O cenário continua a ser o castelo de Hogwarts, a escola de magia e feitiçaria, e o jovem aprendiz de feiticeiro a personagem principal. Foi uma colecção que atraiu imenso os jovens de todos os países de tal forma que a odisseia passou da literatura para o cinema, tornando-se um sucesso de bilheteira. E instintivamente desvio o olhar para a imagem das abóboras desdentadas, que vejo espalhadas pela cidade, iluminadas com sorrisos amarelos e alaranjados; desfiles de esqueletos, bruxas, vampiros, caveiras e fantasmas, fustigados por teias de aranha e portadores de outras jóias góticas; coroas e tiaras de flores murchas.
É a panóplia de adereços do Halloween, o dia das bruxas, cuja tradução para português é “Véspera de Todos os Santos” ou “Noite de Todos os Santos”, mas que é precisamente o oposto desta festa cristã.
Ainda que este costume tenha sido importado dos EUA, as suas raízes têm origem num festival pagão celebrado pelos celtas há mais de 2000 anos, chamado Samhain, que significava o fim do Verão e o início do ano celta. Acreditavam que essa era uma época em que os mortos podiam andar entre os vivos. Este festival teve as suas raízes no Reino Unido, Irlanda e noroeste da França. Foram imigrantes da Irlanda e da Escócia que levaram o Halloween para a América do norte, no século XIX; os imigrantes haitianos e africanos introduziram as crenças sobre vodu e bruxaria. Ainda hoje a festa das bruxas tem uma face oculta, associada ao esoterismo, ao ocultismo, ao espiritismo, ao satanismo (cerimónias secretas que não estão ao alcance da visão do vulgar cidadão).
Mas a sua tónica mais maléfica é confundir-se com o valor religioso cristão das solenidades de Todos os Santos (1 de Novembro) e dos Fiéis Defuntos (2 de Novembro). Estas festas são de uma grande devoção para os católicos – eles recordam os seus entes queridos defuntos, intensificam a oração por eles, fazem romarias aos cemitérios, limpam as campas e enchem-nas de flores. O dia de Todos os Santos é dia de fé e de esperança na vida eterna. É dia de preceito e a liturgia, o Evangelho de S. Mateus, relembra-nos as bem-aventuranças.
Por que será que o mistério, o terror, o assombrado, o grotesco, as magias atraem tanto as crianças e os jovens…e não só? Creio que isso pode ser explicado por uma combinação de factores culturais, psicológicos e sociais.
A cultura pop moderna tem popularizado temas de fantasia, terror e sobrenatural, tornando figuras como bruxas, vampiros e zombies presentes em filmes, séries, livros e jogos. As histórias de santos, embora ricas culturalmente, não são tão divulgadas (designadamente nos media) e quando são é geralmente em contextos menos dinâmicos.
Temas assustadores podem ser intrigantes para crianças e adolescentes porque desafiam o medo e estimulam a curiosidade. O medo incute adrenalina e excitação.
Os adolescentes, em particular, passam por uma fase de rebeldia e construção de identidade em que gostam de desafiar normas e explorar temas menos convencionais.
O Halloween é uma data fortemente comercial, com fantasias, doces e festas que atraem o público mais jovem.
Nas últimas décadas, houve uma diminuição do ensino religioso formal, especialmente em escolas públicas. As gerações mais novas têm menos contacto com tradições religiosas e histórias de santos.
Eis um diagnóstico desafiador para qualquer educador que queira cristianizar a sociedade e os costumes.
Se estudarmos e conhecermos bem os factos e as personagens podemos inverter a situação e conseguir, por exemplo, que as nossas crianças comecem a vestir-se de santos correspondendo ao verdadeiro espírito destas festas. Sim, de santos e de anjos! E de primeiros cristãos. Mas para isso temos que estudar bem as Escrituras, os factos, as personalidades dos santos, apreender e revelar o seu lado mais irreverente. Não os darmos a conhecer como seres insípidos, que não são. Há algo mais irreverente e desafiador do que os mártires cristãos atirados para a arena dos leões morrendo proclamando a fé em Cristo? Eles, as nossas crianças, sabem que os primeiros cristãos se reuniam às escondidas em catacumbas, pois corriam risco de vida se os encontrassem a celebrar Missa? E que tinham um símbolo secreto, para se identificarem – o desenho de um peixe? E S. Paulo? Sabem que ele, inicialmente, perseguia os cristãos e que teve depois uma conversão fulminante? Tão forte que o deixou cego durante alguns dias? Que viajou de espada em punho por muitos países pregando o Evangelho e a conversão? E S. Pedro, um pescador a quem Cristo confiou as chaves da Igreja, apesar de O ter negado 3 vezes, e foi libertado da prisão por um anjo que lhe abriu as correntes e o guiou até ao portão que se abriu para a liberdade, depois de passar incógnito pelos sentinelas?
E a Rainha Santa Isabel que viveu uma vida de dedicação aos pobres e ficou na história com o milagre das rosas?
“Levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres (…) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava, (…) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas.“
O primeiro registo escrito do milagre das rosas encontra-se na Crónica dos Frades Menores (Frei Marcos de Lisboa, 1562).
Creio que temos várias características de personalidade dos santos que ajudam a construir indumentárias mais condizentes com as festas dos Fiéis Defuntos e de Todos os Santos. A estratégia será constituir um grupinho, contar as histórias de vários santos, dar-lhes a escolher as personagens e com a sua ajuda construir as indumentárias.
E em vez do “doçuras e travessuras” dizer-lhes que depois de recitar os versos e canções peçam o Pão por Deus uma tradição bem portuguesa apesar de ter tido também origens pagãs (era costume oferecer alimentos como forma de honrar os mortos e pedir a protecção divina, mas este costume foi recristianizado).
Quando os meus filhos eram pequenos ainda o Halloween não tinha sido importado. E agora que são crescidos ainda não tenho netos. Mas desejo muito a oportunidade de executar estas ideias para lembrar que estas são festas de luz, de fé e de esperança e não de sombras. São festas em que somos convidados a olhar para o Alto, com alegria.
Diz o ditado popular: “Tudo o que é bom ou é ilegal, ou é imoral, ou engorda!”
Não vamos enfiar a carapuça. Não vamos deixar que isto aconteça, nesta situação nem noutras. Não vamos retirar aos nossos jovens e crianças, o prazer de se divertirem nestes dias. Vamos, sim, como educadores responsáveis, abrir as suas mentes e ajudá-los a divertirem-se na verdade.
“A festa das abóboras é, na realidade, uma festa para abóboras ocas. A travessura do demónio é doçura mortal para a alma”. (livro Halloween – a travessura do Diabo, de Aldo Buonaiuto).