À data de hoje fazem-se estimativas, olha-se às previsões, mas nada é certo. Em todos os setores, das micro e pequenas às grandes empresas. Quer na esfera do Estado, quer no setor privado. Sabe-se que terá consequências gravosas, impactos globais de grande escala, mas ninguém tem real noção do impacto do novo coronavírus na economia nacional, europeia e mundial. Uma coisa é certa: a pouco e pouco começamos a perceber o que aí vem.

Reflitamos por breves momentos sobre o setor do Desporto em Portugal: quais serão as consequências? E em que casos há condições mais e menos favoráveis para recuperar? Pela expressão mediática e impacto social no nosso país, não têm faltado reflexões e opiniões mais ou menos anónimas sobre o impacto da pandemia no futebol. Mas também dentro do futebol, importa que se faça o que nem sempre tem sido feito, separar as “águas”: de um lado o futebol profissional, do outro o futebol não profissional. São, pois, realidades muito distintas e também elas com condições de retoma completamente díspares. Se por um lado os clubes profissionais (1ª e 2ª divisões seniores masculinas) sofrerão, mas terão margem para reajustamentos nos orçamentos, continuando a dominar o espectro mediático e, consequentemente, a dominarem por completo o campeonato dos patrocínios, por outro, o futebol não profissional poderá, para efeitos de análise e melhor perceção, integrar-se no lote das restantes modalidades.

E é precisamente nesse grupo que começam os verdadeiros problemas. Se algumas das modalidades individuais vão a pouco e pouco retomando as suas competições, com os necessários ajustes para garantir o cumprimento das orientações e das diretivas por parte Direção-Geral da Saúde, as modalidades coletivas continuam a viver num mundo de incerteza: a atual época desportiva foi dada já como concluída e não se antevê como nem quando serão iniciadas as competições em 2020/21. Como consequência da ausência de atividade, chega o cancelamento parcial, e em alguns dos casos até total, de patrocínios/donativos aos clubes por parte de empresas, os quais representam muitas das vezes percentagens importantes nos orçamentos totais. Seja porque não existindo competição, não existe visibilidade e, com isso, garante de retorno para as empresas que têm vindo a investir (no caso dos patrocínios), seja porque também elas na sua grande maioria foram afetadas na produção e nas receitas com a crise pandémica, não tendo capacidade para manter os donativos e investimentos que vinham realizando. Aliado a isso, e alegando a paragem dos campeonatos, as autarquias têm vindo já inclusive a suspender os contratos-programa com os clubes, os quais representam igualmente, em muitos dos casos, percentagens muito significativas nos orçamentos globais dos clubes e coletividades desportivas. Ora, é precisamente nesse cenário de elevada dependência tanto do setor privado, como dos municípios, que se encontra grande parte das organizações desportivas de base no nosso país, o que deixa antever momentos de enormes dificuldades para um tecido desportivo já débil, do ponto de vista estrutural, mesmo em cenários de normalidade económica do país.

Neste Desporto em que não há os milhões das operadoras de televisão que lhe valham, deve preocupar-nos a redução das receitas que põe em causa a continuidade e sustentabilidade das organizações. Mas não só. Este é um momento extraordinariamente complexo, que exigirá de todas as organizações desportivas um esforço e capacidade de reinvenção e adaptação redobradas, neste que é, muito provavelmente, o maior desafio que o setor alguma vez enfrentou: com menos recursos, conseguir manter os atletas no sistema desportivo, sem que abandonem, das mais tenras idades aos escalões de formação mais avançados, e continuar a atrair novas crianças e jovens para as respetivas modalidades, com as restrições sociais em vigor e que tão depressa não desaparecerão. Neste campeonato, federações desportivas, associações regionais/distritais, clubes e respetivas equipas técnicas são chamadas a inovar e, como todos nós nestes últimos tempos, a regenerar-se: na utilização de novas ferramentas de comunicação com os atletas, na construção e respetivo acompanhamento dos planos de treino à distância e no tratamento motivacional e de estímulo para que os atletas não descurem a forma e a atividade física.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nesta guerra contra um inimigo invisível, é fundamental que cheguemos ao fim sem baixas. Sem abandonos e com os nossos pelotões intactos. Até porque do que precisamos mesmo é de mais reforços. Segundo os dados da Comissão Europeia, Eurobarómetro de março de 2018, Portugal é um dos três piores países europeus quanto aos níveis de atividade física e prática desportiva regular. Os números não mentem e são bastante elucidativos. Mas se há momento em que podem ser dados sinais positivos, este é precisamente um deles. Bem sei que em tempos como o que vivemos, as solicitações são muitas e todos os setores são considerados prioritários. Mas se assim é, e eu próprio tenho essa convicção, também o Desporto terá de ser uma prioridade. Não pode ficar numa qualquer gaveta ministerial esquecida, à espera que sobreviva perante as investidas do inimigo.

A esse respeito, e sem prejuízo de existirem outras que devem igualmente ser consideradas, partilho duas propostas concretas para o Governo, de forma a revitalizar o setor do Desporto, e que vêm fazendo parte do quadro de medidas exigidas pelo movimento associativo desportivo:

  1. Alterar a repartição das receitas dos jogos sociais e apostas desportivas e criar, por essa via, um fundo de emergência extraordinário para o desporto nacional, sob gestão do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). À data, esta repartição faz corresponder diretamente a receita à modalidade/federação desportiva correspondente. De forma a tornar esta distribuição mais justa, inclusiva e solidária, propõe-se que as verbas revertam para um fundo sob gestão do IPDJ, que assumiria a responsabilidade de o redistribuir de acordo com critérios de atribuição objetivos e que privilegiassem a qualidade do projeto desportivo das organizações desportivas candidatas.
  1. Manter inalterados os Contratos-Programa de Atividades Regulares celebrados entre o IPDJ e as federações desportivas, com a manutenção das respetivas verbas já aprovadas, e garantindo um regime de excecionalidade em relação às despesas previstas e não ocorridas, durante o período de suspensão da atividade desportiva da respetiva federação. Esta é uma medida de vital importância, para garantir a estabilidade e o equilíbrio financeiro das federações desportivas, num período extraordinariamente exigente para todos e em que o movimento federativo não é exceção.

Agora, mais do que nunca, tem a palavra o Governo. Em particular o Sr. Ministro da Educação (que tutela o setor do Desporto) e o Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desporto.