Sucederam-se, nesta semana, inúmeras opiniões sobre a recomendação do governo relativamente à proibição do uso dos telemóveis, pelos alunos do primeiro e segundo ciclos, na escola.

Desde logo, choveram inúmeras opiniões. Mas houve muitas, de professores e de pais, um bocadinho surpreendentes. Umas, que recomendavam que os telemóveis não fossem proibidos na escola de forma a evitar que, dessa forma, eles se tornassem mais apetecidos. Outras, reclamando contra as palavras “banir” e “proibir” como se, no limite, educar não fosse, por vezes, restringir. Outras, ainda, recusando a proibição e falando de sensibilização e educação para o bom uso dos telemóveis.

Ora, é importante, se me dão licença, que se ponha algum método nesta discussão.

Em primeiro lugar, o uso massivo de écrans por parte das crianças faz-lhes mal, sim! Contribui para que fiquem menos atentas, mais impulsivas, menos sociáveis, mais imediatistas, menos fluentes e menos inteligentes. Sem esquecer que, por mais que os videojogos funcionem como um bom ginásio para as operações mentais, o seu consumo sem moderação, horas e dias a fio, representa uma droga legal e uma adição grave. Que lhes traz variadíssimas perturbações do comportamento.

Em segundo lugar, o uso banalizado de telemóveis por crianças de todas as idades, desde o jardim de infância até ao terceiro ciclo, não é, obviamente, sensato. Porque, a esmagadora maioria delas, acede, com o patrocínio dos pais, a dados e a redes sociais, o que faz com que crianças de 10 ou 11 anos, sendo menores, tenham maioridade digital para irem ao casino, consumirem conteúdos pornográficos ou circularem por sites de enorme violência, ou estarem a ser, continuadamente, manipuladas para conteúdos políticos e sociais que lhes atropelam a privacidade, que as desafiam para a desumanidade e as expõem ao que de mais degradante a natureza humana também tem.

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Em terceiro lugar, o uso de telemóveis e de redes sociais, muito antes do tempo que as próprias promotoras desses serviços propõem, faz com que elas sejam as principais responsáveis pela falta de saúde mental dos adolescentes. Quer quanto lhes propõem desafios que os expõem ao perigo, ou quando introduzem, fora de tempo, discussões sobre a sexualidade, a alimentação, a imagem, a violência ou o bullying. Acresce que essa exposição acaba por ter, distraidamente, o patrocínio dos seus pais.

Em quarto lugar, a dependência doentia das crianças em relação aos telemóveis, e a sua falta de regulação, entende-se melhor quando são os próprios pais que lhes dão o exemplo do modo como os telemóveis viciam e “agarram”. Quando vivem debruçados sobre eles, em todas as circunstâncias; refeições, incluídas. Esperar que aos 10 ou aos 11 elas sejam capazes de fazer o que os pais e os professores não conseguem levar por diante não é, seguramente, razoável. Ou será desejar que elas olhem, unicamente, para os bons conselhos das pessoas crescidas e ignorem os seus maus exemplos.

Em quinto lugar, não misturem, por favor, as medidas indispensáveis e inadiáveis que será preciso ter sobre os conteúdos de telemóvel a que os nossos filhos têm acesso, sobre o uso indiscriminado e perigosíssimo de écrans e sobre o consumo sem regras de videojogos com o uso de telemóveis na escola. E não pessoalizem essa confusão, quando se trata de opinarem, em nome dos pais ou dos professores, sobre os telemóveis na escola.

Apesar de haver, desde há muito, coordenadas claras sobre o seu uso na escola, o que o governo emitiu foi uma recomendação contra o uso de telemóveis na escola para as crianças entre os 6 e os 12 anos. Considerando os primeiro e segundo ciclos do ensino obrigatório. Porventura, fazendo por não reparar que já há crianças no jardim de infância com telemóveis! E evitando tocar no terceiro ciclo do ensino obrigatório como forma de evitar reacções mais exuberantes por parte dos pais e dos alunos.

Trata-se de uma recomendação! Que fique claro. Não se trata de se proibir o uso de telemóveis por parte das crianças. Não se trata de vedar que levem os seus telemóveis para a escola e — ao sairem, por exemplo — se coordenem com os pais. Nem de excluir que os telemóveis façam de computadores de bolso que podem ser úteis nalgumas disciplinas, assim os professores o recomendem.

Trata-se — isso, sim — de proibir o uso de telemóveis no espaço do recreio e nos tempos de recreio! E aqui — desculpem! — é quase inacreditável a posição de muitos pais e professores. Proibir o uso de telemóveis no recreio significa ser a favor do recreio, do brincar e do convívio social. Dar às crianças “escola de vida”. Criar as condições para que aprendam e cresçam melhor umas com as outras. Não lhes permitir que se fechem sobre si e se tornem mais solitárias e mais excluídas da vida dos grupos. Não lhes dar os instrumentos que favoreçam a captação de som e imagem no interior das aulas e no recreio, que não só favorecem a exposição pública de alguns maus exemplos docentes como incentivam o ciberbullying. Devolvê-las à autonomia, à motricidade e à actividade física que contrariem as suas gravíssimas limitações motoras, ou sedentarismo e o excesso de peso de muitas delas. Não lhes dar meios para que, mal se confrontam com alguma dificuldade, fazer do telemóvel um botão permanente de SOS, como se a escola não fosse competente para as guardar e proteger. E reclamar que — no recreio, nos corredores ou no refeitório — elas se sintam desafiadas a falar, a conviver, a brincar, a jogar ou a correr. E deixem de ser silenciosas, sossegadinhas, alheadas ou paradas. Viradas sobre si, dependentes ou sozinhas.

Na verdade, ser-se contra os telemóveis na escola arrisca-se a ser, no essencial, contra o convívio e contra o brincar. E é isso que não se entende. Porque se presume que, no limite, a escola seja a favor das crianças. E cúmplice com a infância. E aceite que quanto melhor for o recreio melhor será a sua aprendizagem.