É preocupante que se volte a falar na desejabilidade de o Estado “estimular” o sector da construção civil em geral e, em especial, por via das obras públicas com base nos seus supostos efeitos multiplicadores. Alguns dos chavões empregues são novos e reflectem as últimas modas, mas a essência é a mesma dos desvarios e desperdícios do passado recente.

Apesar de o país ainda estar a pagar o último ciclo de “estímulos” desta natureza (e de o ir continuar a pagar por muitas décadas), as lições desse passado recente parecem já estar a cair no esquecimento. Convém a este propósito recordar que na primeira década deste milénio o Estado português incorreu sistematicamente em défices significativos, recebeu e gastou milhões e milhões de euros de fundos europeus e apostou em inúmeros projectos com supostos efeitos multiplicadores. Resultado final: uma década perdida em termos de crescimento económico e um país na iminência da bancarrota.

As obras públicas foram tantas que o multiplicador keynesiano terá provavelmente sido engolido por alguma betoneira ao serviço do Estado empreendedor. Mas é importante chamar também a atenção para o que não se vê mas não é ficção: os recursos desperdiçados em tantos projectos de utilidade duvidosa poderiam ter sido, alternativamente, empregues de forma economicamente eficiente, servindo as reais necessidades dos consumidores e fomentando a criação de mais riqueza no futuro.

Mesmo que os argumentos económicos mais abstractos sejam difíceis de compreender para muitos e dificultem por isso a desmontagem das charlatanices de inspiração keynesiana, não faltam em Portugal exemplos concretos e extremos do enorme desperdício de recursos que foi o último ciclo de estímulos estatais à indústria da construção civil. Desde estádios sem utilização à verdadeira “festa” que foram programas como o da Parque Escolar, sem esquecer as auto-estradas quase sem utilizadores e os projectos megalómanos pensados para o novo aeroporto de Lisboa e para múltiplas linhas de TGV.

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Para quem ache os casos de dimensão nacional distantes, não faltam também exemplos de proximidade. Quando havia dinheiro, abundou igualmente o empreendedorismo político a nível municipal e regional: desde a proliferação das famosas rotundas à febre de infraestruturas como centros de congressos ou parques industriais e tecnológicos, grande parte das quais, sem surpresa, se encontram agora com utilização muito aquém do que seria necessário para as rentabilizar ou mesmo vazias.

Parte da culpa pode ser razoavelmente atribuída aos fundos europeus e à indústria rentista que se gerou em torno deles, em especial num país com instituições débeis e uma cultura de nepotismo e irresponsabilidade profundamente enraizada. Mas a culpa foi também da classe política e de uma opinião pública permissiva e com falta de sentido crítico. Se tivéssemos aprendido alguma coisa com o passado, deveríamos estar por estes dias a assistir a declarações de todos os líderes políticos com aspirações a governar assegurando que não voltarão a cometer os mesmos erros e que as obras públicas serão devidamente limitadas, escrutinadas e validadas, na medida do possível, por análises custo-benefício credíveis. Ao invés, parece que bastou haver alguns sinais de alívio para os ventos da irresponsabilidade voltarem a soprar. Tal como no passado, não haverá multiplicador que nos salve.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa