Todos querem o Estado Social. Se os partidos pretendem ganhar as eleições, têm de jurar por ele. Mas ninguém percebe claramente quais são hoje no nosso país as suas justificações e consequências. A este propósito há muitos equívocos.

Como já em tempos disse, a ideia do Estado Social nasceu em Inglaterra, no século XIX, sob os auspícios da Sociedade Fabiana como meio de atenuar as espantosas injustiças de que padecia a classe trabalhadora, que vivia então em condições quase sub-humanas e que teríamos hoje dificuldade em imaginar, tão bem retratadas por C. Dickens e por V. Hugo. O Estado Social foi um grito de indignação contra a injustiça e a pobreza, e que a Igreja Católica, atenta à questão, logo assimilou ainda nos fins do século XIX e tratou sob a veste da «questão social», a que respondeu em termos que, aliás, fariam inveja a qualquer socialista da época.

É bom recordar isto pois que ainda não há muito tempo ouvi a um pseudo-intelectual (que, entretanto, já foi ministro, pois então) que o Estado Social não tinha nascido para combater a pobreza. A ignorância é atrevida e a estupidez ainda mais.

O Estado Social é hoje uma realidade incontornável. Os tribunais constitucionais defendem-no quanto baste, desde o da África do Sul aos dos países da América Latina, e não hesitam em censurar o legislador por ele não fazer o que, segundo eles, deve.

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 Mas há um problema. E dele aqueles tribunais não fazem ideia. O problema está nisto: como vivemos todos em democracia plena baseada no voto e como os eleitores votam em quem lhes faz mais promessas, o Estado Social é a menina dos olhos dos partidos políticos. Estes ganham tanto mais votos quanto mais prometerem melhorar o Estado Social, ou seja, o paraíso na terra, espécie de mito religioso secularizado. Como a constituição portuguesa vai mais longe do que qualquer outra nas promessas de felicidade e abundância para todos os cidadãos, os partidos portugueses são obrigados a aparecer aos eleitores como os campeões do Estado Social. Se lermos a constituição com atenção, ela promete tudo e a tudo obriga o Estado. A constituição é um programa de salvação, abundância e felicidade; a felicidade constitucional. Que bonito.

O problema está em financiar o Estado Social ou seja, pagar o aumento das despesas públicas que inevitavelmente gera.

Só há três maneiras de o financiar: ou se aumentam os impostos e tributos; ou se contrai mais dívida pública; ou se põem as máquinas rotativas do banco de Portugal a funcionar.

Emitir mais moeda não podemos porque o Banco Central Europeu não deixa; para aumentar a dívida pública, quer interna quer externa, o governo tem de a reembolsar e de oferecer entretanto juros elevados, o que vai onerar as gerações futuras; de modo que só resta aumentar os impostos.

Na falta do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, ou do vinho como nas bodas de Canaã, o aumento das despesas públicas tem de ser financiado pelo contribuinte. Qual? O milionário? Não adianta. Esse já cá não está ou tem o dinheiro a recato ou diz que sofre de uma qualquer doença degenerativa ou, mesmo que assim não seja, as centenas de milhões que poderiam, com toda a justiça, diga-se, resultar de um seu agravamento fiscal nada resolveriam. Nem sequer dariam para aumentar em dois por cento os parcos salários da função pública durante um ano, nem para patrocinar um modesto aumento das pensões de reforma dos menos beneficiados, ou para pagar um pouco das dívidas dos hospitais. O problema é um bom bocado mais complexo.

De maneira que, como os impostos e tributos incidem sobretudo sobre a classe média assalariada, eles não podem aumentar mais, sob pena de retracção no consumo e nos consequentes lucros, além de generalizada insatisfação. Algumas luminárias da extrema-esquerda quiseram, depois de esvaziados os bolsos dos portugueses dos poucos rendimentos que tinham, tributar o património, mas o propósito era tão estúpido, injusto e ineficaz que não mais falaram nele.

O Estado Social português é um projecto que estará sempre por cumprir. E porquê? A explicação é muito simples. A capacidade contributiva da classe média portuguesa para o financiamento das despesas públicas que crescerão sucessivamente sem cessar é muito limitada, ainda por cima num contexto em que o envelhecimento da população e a falta de natalidade destroem a base contributiva. Além disso, as exigências sociais serão cada vez maiores, porque a saúde é cada vez mais cara, a esperança de vida cada vez maior, o ensino mais dispendioso, a boa habitação cada vez mais inacessível, os transportes públicos mais onerosos, etc… Ter hoje dois filhos é uma aventura e um risco. Três? Uma temeridade.

Claro que os governos sabem disto e, vai daí, prometem reformas, mas ao mesmo tempo tentam enganar-nos através dos impostos indirectos sobre os combustíveis e outros, e vendem uma imagem de eficiência no destino dos dinheiros públicos que apenas merece o desprezo dos portugueses.

Não há outra solução que não seja reduzir as despesas com o Estado Social ao que for sustentável de acordo com a cada vez mais fraca capacidade contributiva da classe média portuguesa.

Mas constatar esta evidência não basta. É preciso moralizar a política de rendimentos.

É urgente esclarecer a cabeça dos contribuintes. Verifica-se hoje no nosso país um equívoco dramático. A esquerda portuguesa convenceu toda a gente que quem tem de rendimento mensal mais de mil euros por mês é «rico» e deve consequentemente arcar com a responsabilidade pelos indigentes em nome da «solidariedade». Estes, por sua vez, foram vítimas da falta de «oportunidades», da terrível «exclusão» e das evidentes «desigualdades».

Esta atoarda serve para pescar votos e sobretudo para impedir as vítimas, ou seja, a classe média, de pensar, esmagada pela má consciência que a esquerda paulatinamente nela inoculou. Trata-se de uma mentira institucionalizada de que a esquerda tem retirado dividendos. A classe média, coitada, nem reage; sente-se atrofiada e vergada ao peso da mentira da «solidariedade» que lhe impingiram.

O que se verifica é precisamente o inverso. Sim, é verdade, hoje o «pobre» explora o «rico». Ao «pobre» e «excluído» nada se exige. Não tem, portanto, quaisquer deveres para com a sociedade que o protege. O contrato social apenas o favorece e a nada o obriga.

Ora, é elementar compreender isto; a vida social deve ser estruturada em torno do princípio da repartição igualitária dos encargos públicos. Trata-se de um corolário elementar da justiça. Quem recebe deve contribuir para o todo comum. Como? Trabalhando, evidentemente, salvo no caso dos reformados, dos incapazes e dos doentes. Há aqui muito a fazer. Ponham os titulares do rendimento mínimo garantido a fazer trabalho a favor da comunidade. Ponham-nos a pavimentar as calçadas, a limpar os jardins públicos e dêem-lhes instrução militar básica. Há que convencê-los que o que recebem não é de graça. Se recebem devem contribuir conforme for possível. É uma questão de justiça na repartição dos encargos públicos. Esta evidência contraria, claro está, os esquerdistas mas teria a aceitação generalizada dos portugueses votantes e contribuintes. Não seria muito difícil fazer o que fica exposto. Mas os esquerdistas não querem. Teimam em pôr o contribuinte a fazer de pai-natal, e em nome da «solidariedade» que os sustenta ideologicamente vendem-nos uma impostura.

Em nome da «solidariedade» inventaram-se mitos que verdadeiramente esboroaram a consciência social e distorceram as mais elementares noções de justiça social.

O resultado disto tudo? Vem a propósito dizer que o socialismo gerou, parafraseando em parte um conhecido escritor sul-americano, hoje espanhol, a abundância venezuelana, o salário cubano, a justiça chinesa, a liberdade da Coreia do Norte e, só falta, os impostos portugueses. São os custos democráticos do Estado Social. Em vez de estado de bem-estar já temos é estado de mal-estar. E vai piorar.