Esta é mais uma das histórias rocambolescas dos anúncios e promessas deste Governo e que José Manuel Fernandes tão bem retratou no texto publicado no Observador no passado dia 3 de agosto.

Ao contrário de outros artigos de opinião, o relato deste caso impõe um texto que por vezes pode ser fastidioso, com demasiadas datas e citações. Agradeço a vossa compreensão, mas foi a única forma que encontrei para relatar com rigor uma infindável sucessão de anúncios, promessas e tagarelices.

Junho de 2015. António Costa apresenta o programa eleitoral do PS. Aquele que viraria a página da austeridade, reporia rendimentos, aumentaria o investimento público, reduziria a dívida pública e melhoraria a prestação dos serviços públicos em especial na saúde.

Por entre as muitas promessas, haveria uma “Nova geração de políticas de habitação”, com prioridade à reabilitação urbana e em especial a criação de um Fundo para a concretizar.

Transcrevo o que nos prometia António Costa:

“Criar um ‘Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado’, com capitais e gestão pública (sendo que parte do capital inicial pode ser incorporado através da entrega de edifícios públicos a necessitar de reabilitação), mas ao qual os privados possam aceder mediante a entrega do seu edifício/fração. Este fundo terá a cargo a reabilitação e gestão do seu parque edificado, colocando-o no mercado após a respetiva reabilitação, sendo direcionado em especial para o arrendamento de ‘habitação acessível’, recuperando por esta via o seu investimento inicial a médio prazo.”

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A promessa é repetida no programa de Governo em novembro seguinte e logo a 18 de dezembro de 2015 o Secretário de Estado com esta tutela garantia que o Governo “está já a trabalhar no modelo a adotar neste novo Fundo (…)”.

No dia 6 de abril de 2016, na abertura da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, António Costa anuncia 1.400 milhões de euros, 7.500 casas e 800.000 m2 de habitações. Um Fundo “que avança com a reabilitação, arrenda e garante um retorno financeiro”noticiava o Negócios.

E o Público deste mesmo dia transmitia-nos“que o Fundo (…) vai dinamizar o mercado de arrendamento e permitir o acesso aos centros urbanos por parte da classe média”e acrescentava, “a liquidez deste fundo está desde já garantida pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que vai alocar cerca de 10% do seu valor em carteira (1400 milhões de euros)”.O Fundo será supervisionado pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM) e terá “uma rentabilidade estimada na ordem dos 3 a 4%”.

Em suma, um ovo de Colombo, com números colossais.

E a Antena 1 assegurava que o Fundo “chega ao terreno no outono”.

Um mês depois, a 4 de maio de 2016, num debate parlamentar, ficámos a saber que o esforço do Fundo da Segurança Social será de 500 milhões de euros em vez dos 1.400 milhões anteriormente anunciados.

E nesse mesmo dia o Observadornoticiava que no Plano Nacional de Reformas aprovado em Conselho de Ministros na semana anterior, se previa que o Fundo viria “a recuperar 2.702 fogos degradados até 2020”.

O Ministro do Ambiente, a 30 de maio de 2016, nas Jornadas de Reabilitação Urbana de Viana do Castelo, assegurava que o Fundo “estará em pleno funcionamento ao longo deste ano (2016)”.

Poucos dias depois, a 14 de junho, o Negócios publicava uma entrevista ao Secretário de Estado da tutela onde este remetia para Outubro “a chegada do Fundo ao terreno”.

A 1 de setembro de 2016 a Resolução do Conselho de Ministros n.º 48/2016, determina que “a criação do Fundo deve estar concluída até 31 de outubro de 2016”. Só que, tal não sucedeu.

No dia 8 de novembro de 2016, na abertura da Semana da Reabilitação Urbana do Porto, surge um novo anúncio: “o Fundo estará a funcionar no início de 2017”.

Mas, mais uma vez, deslizaram as previsões. Nem no final de outubro de 2016, nem nesse outono, nem no início de 2017.

A 5 de abril de 2017, o Negócios reportava que “o Fundo estará a funcionar em pleno até ao final do primeiro semestre deste ano”.

Na véspera desse final de semestre, mais concretamente a 29 de junho de 2017, o Ministro do Ambiente transmitiu no Parlamento que “O Governo acredita que o Fundo esteja em funcionamento no início do quarto trimestre deste ano”. Portanto em outubro de 2017.

Mas, novamente, passou outubro, foi-se mais um outono e a 19 de dezembro de 2017 dizia-nos o Público que o “Fundo para reabilitação já está em marcha”. E que, afinal, não haverá só um Fundo. Também serão constituídos dois sub-fundos. E em jeito de pormenor irrelevante, soubemos que dos 50 milhões disponíveis para investir em 2017, gastaram… zero!

E eis que chegamos a mais uma cerimónia de abertura da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, agora a 10 de abril de 2018. Por entre discursos com enormes elogios à reabilitação urbana que se consolida como“verdadeiro desígnio nacional”, a Vida Imobiliária relata-nos que o Ministro do Ambiente anuncia que o Fundo ficará pronto “em menos de um mês”.

Exatamente um mês depois, a 10 de maio de 2018, titula o Público que “a recuperação de casas para renda acessível arranca com cinco milhões”, mas, quando lemos o corpo da notícia percebemos que o Fundo continua sem existência. O mesmo Fundo que numa notícia desse periódico seis meses antes, “já estava em marcha”.

No dia 8 de junho passado, o Público traz-nos mais novidades. O Fundo e os sub-fundos ainda não existem, mas agora oferecem-nos um novo tipo de PPP’s: o Fundo será “uma parceria Pública-Pública virtuosa”, qual Dupond et Dupont do imobiliário nacional. Mas, tal como na novela da casa assombrada, há um fantasma: ainda não existe a aprovação da CMVM.

E para culminar esta sucessão de episódios rocambolescos, a Secretária de Estado da Habitação faz-nos agora mais uma promessa noticiada pelo Idealista: “O Fundoé um dos grandes desafios que o Governo enfrenta”e “esperamos que no próximo ano (2019) já esteja constituído um conjunto alargado de sub-fundos”.

Primeiro era um Fundo. Depois haveria mais dois sub-fundos. Agora teremos um conjunto alargado deles…

A primeira impressão, é que andam a gozar connosco. Afinal, durante três anos tivemos promessas de prazos para todos os gostos.

De outono em outono, de trimestre em trimestre, mês após mês, estes governantes anunciam e adiam, prometem e não fazem. Com António Costa ao comando!

Esta é a pantomina da atual governação.

Começaram por anunciar 1.400 milhões, desceram para 500, disponibilizaram 50, investiram zero… agora prometem 5 (sabe-se lá para quando).

Anunciaram que reabilitariam 7.500 casas em 10 anos, das quais 2.700 até ao ano 2020 e alcançariam um ritmo de 750 casas por ano… talvez consigam fazer 39 casas em 2019.

Este Fundo foi pensado para receber imóveis da propriedade do Estado e de particulares. E só existirá e funcionará se criar uma carteira com esses imóveis.

Para os particulares, é evidente que o Fundo não tem qualquer interesse. Basta ouvir os discursos e anúncios deste Governo em matéria de habitação e de arrendamento urbano, para se perceber que só um incauto confiaria um seu edifício a esta governação.

Já quanto aos edifícios propriedade do Estado, a situação é paradoxal.

O Governo publicou o Decreto-Lei n.º 150/2017, de 6 de dezembro, que na prática obriga todos os organismos públicos a entregar ao Fundo os imóveis que estejam disponíveis, já que o Estado tem imensos edifícios ao abandono, que devem ser aproveitados.

Mas para grande surpresa, ficámos a saber em julho passado que a Segurança Social vai vender ao Município de Lisboa onze edifícios com localizações excelentes e condições ideais para criar umas 250 habitações, quando estes deveriam integrar a carteira de imóveis do Fundo.

Trata-se de uma decisão que desmente todos os anúncios feitos nos últimos anos, até porque se sabe que o Fundo não tem edifícios em quantidade suficiente para corresponder aos números colossais prometidos por António Costa.

É caso para dizer, que já nem o criador acredita na sua criatura.

Arquitecto, presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana de 2012 a 2017