Ribeiro Telles, Jorge Paiva, Jorge Palmeirim, Joanaz de Melo, Serafim Riem, Francisco Ferreira, Helena Freitas, Eugénio Sequeira, Viriato Soromenho Marques, são pessoas com duas características comuns:

  1. São referências do movimento ambientalista em Portugal, com posições fortemente favoráveis à restrição, por via regulamentar, da produção de eucalipto;
  2. Apesar de quase todos serem académicos, nenhum deles, tanto quanto sei, estudou ou escreveu uma linha de um artigo científico relevante sobre os efeitos ambientais da produção de eucalipto.

Note-se que estas características não pretendem ser, nem são, nenhum juízo de valor sobre qualquer um dos nomeados – e poderia acrescentar muitos com as mesmas duas características –, tanto mais que há nesta pequena lista pessoas por quem sempre tive, e continuo a ter, um enorme respeito, como Ribeiro Telles, e pessoas por quem não tenho respeito nenhum.

Que pessoas tão diferentes entre si tenham posições tão semelhantes sobre a produção de eucalipto parece indicar que essas posições correspondem a realidades amplamente estabelecidas e consensuais.

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Curiosamente, não é assim.

A investigação sobre os impactos ambientais da produção de eucaliptos estabelece consensos científicos – tanto quanto existem consensos científicos, evidentemente – mas no sentido oposto ao que sempre defenderam as pessoas citadas: “os eucaliptos são «”plantas normais e decentes” relativamente às quais é preciso saber “onde, quanto e como devem ser utilizadas”» para concluir dizendo que: «Este livro contribui de modo relevante para este objetivo.»”.

Vale a pena tentar perceber como resiste uma percepção sobre um assunto permanentemente presente no debate público, percepção que é amplamente dominante na sociedade, que ignora galhardamente toda a destruição científica da argumentação que a suporta e está manifestamente errada.

Alguns dos argumentos são muito antigos, têm raízes fundas em convicções com mais de cem anos, como o suposto consumo de água excessiva pelo eucalipto, de que resultou legislação de protecção das fontes.

A aplicação desta ciência do século passado pode ser vista, por exemplo, na Mata Nacional da Machada, no Barreiro, ao longo da ribeira do Zebro, em cujo leito de cheia os serviços florestais plantaram eucaliptos e acácias para secar as zonas apauladas que eram responsabilizadas pelos surtos de malária.

Evidentemente sem qualquer resultado próximo do que se pretendia, mas com efeitos negativos muitos marcados na proliferação agressiva de acácias.

A ciência tem prazo de validade.

Existem dezenas de estudos recentes sobre este assunto, todos essencialmente com os mesmos resultados: eventuais alterações relevantes no regime hidrológico não resultam da espécie usada na plantação, mas das técnicas de plantação e modelo de gestão usados.

O mesmo se pode dizer do sistematicamente referido problema da erosão, em que todos os estudos apontam no mesmo sentido: a erosão está mais relacionada com o modelo e as técnicas de gestão usadas que com a espécie florestal dominante.

No que diz respeito aos fogos, o estabelecido pela investigação sobre a matéria é claríssimo ao atribuir à quantidade e estrutura dos combustíveis finos, que depende essencialmente do modelo de gestão, uma importância esmagadoramente maior que a que dá à espécie florestal dominante no povoamento.

No que diz respeito à biodiversidade, com certeza há larga incompatibilidade entre eucaliptais produtivos geridos modernamente e o óptimo de biodiversidade, mas isso não é nenhuma especificidade da produção de eucalipto, é verdade para qualquer produção, desde batatas, a vinhas, passando pela urbanização ou por qualquer espécie florestal: a questão é a intensidade de uso, não é o eucalipto.

Acontece que a afirmação do movimento ambientalista e a altura de maior expansão da área de plantação de eucalipto coincidem no tempo, ali pelo fim dos anos setenta e década de oitenta do século XX, numa altura em que quer o conhecimento sobre a produção de eucalipto, quer a compreensão da dinâmica do mundo rural que estava a ocorrer, eram relativamente escassos.

Daqui resultaram muitas asneiras por parte dos agentes da fileira do eucalipto – ainda hoje se podem ver as ruínas dos eucaliptais de Mogadouro ou da serra de Ossa, para citar dois erros monumentais dos principais produtores de eucalipto.

E resulta, também, a atribuição dos problemas resultantes do mau uso de técnicas florestais à espécie usada, e não ao modelo e técnicas de exploração aplicados.

Esta confusão entre problemas causados pelas técnicas florestais e modelo de gestão, com problemas causados pela presença de uma espécie, é perfeitamente compreensível: Portugal não é um país de vocação florestal – Viriato era pastor, não era lenhador – e não existe grande história de florestação em larga escala com técnicas modernas.

A florestação anterior, que levou Portugal de cerca de 10%, ou menos, de área florestada, aos actuais 35%, mais ou menos, embora feita de forma relativamente rápida, foi feita até meados do século XX, sobretudo com recurso a técnicas tradicionais e muita, muita sementeira de penisco.

Dessa florestação resultou uma área de pinhal em torno do milhão e trezentos mil hectares, sem que desse facto resultasse uma oposição do mesmo tipo que à expansão do eucaliptal.

Na verdade, a frágil oposição à florestação das serras com pinheiro veio das comunidades locais que dependiam do mato para o pastoreio e a fertilização dos campos, ao contrário da oposição à expansão do eucalipto, que tem uma base essencialmente urbana.

E é a aliança entre ambientalistas e jornalistas de base urbana, com os erros dos agentes da fileira do eucalipto, que levam ao extremar de pontos de vista sobre o eucalipto.

O sectarismo de parte a parte sobre a matéria foi grandemente potenciado pelo facto de a fileira ser sobretudo produtora de pasta, isto é, servindo clientes industriais que decidiam as compras com critérios técnicos, e não clientes finais, circunstância que libertou a indústria de celulose da canseira que é responder a consumidores para se defender da má reputação pública.

Quando a indústria da pasta – mais tarde, também do papel, o que a obrigou a uma maior proximidade com clientes finais e mais atenção às questões reputacionais – acordou para os problemas reputacionais entretanto criados, que incluem uma regulamentação tecnicamente absurda e persecutória, já o caldo estava mais que entornado.

Por mais que a indústria, entretanto, fizesse um esforço de investigação para identificar objectivamente os problemas ambientais que lhes estavam associados, encontrar soluções e alterar os seus métodos de produção para responder às exigências ambientais da sociedade, passou a bastar invocar os interesses da indústria para negar qualquer resultado científico que pusesse em causa as posições ambientalistas sobre o assunto.

Os produtores de eucalipto evoluíram, deixaram de cometer muitos dos erros dos anos 80 do século XX, investem hoje fortemente no aumento da sustentabilidade da fileira, mas o movimento ambientalista não mexeu um milímetro e continua parado nos anos 80 do século XX, bastando-lhe invocar “os interesses” para não ter de fundamentar nada do que diz.

A discussão sobre o eucalipto deixou de ter qualquer racionalidade e entrou directamente para o campo das discussões políticas em que a fundamentação é secundária face à necessidade do ganho de causa política.

Com a entrada do Bloco de Esquerda no arco da governação, o problema assumiu proporções tais que o país escolheu não ter nem mais um hectare de eucalipto, por via administrativa.

Claro que como as grandes distribuições de uso do solo resultam do processo económico, e não da regulamentação do Estado, o único efeito real desta regulamentação administrativa é dar vantagem competitiva à produção que não cumpre regras porque a outra, tendencialmente a mais racional, está proibida ou fortemente condicionada.

Vale a pena falar de um conto exemplar e verdadeiro: um terreno com 120 hectares, dos quais 110 de eucalipto em fim de exploração e 10 hectares de galerias ripícolas, foi objecto de um projecto de reflorestação que previa manter os tais dez hectares de vegetação natural, reconverter 30 hectares para medronho e reflorestar 80 hectares com eucalipto.

Por causa de uma norma absurda da proibição de reflorestação com eucalipto acima dos 25% de inclinação, o projecto foi chumbado.

Há quem ache isso óptimo porque, a longo prazo, isso permite reconverter essas áreas mais inclinadas para outra coisa que não o eucalipto.

A realidade é que, sendo o projecto chumbado, não há investimento (porque não há uso alternativo que pague a gestão), e o resultado é ter 110 hectares de eucalipto caduco, inútil para a produção e para a conservação, sem gestão, e um autêntico barril de pólvora do ponto de vista da gestão do fogo, não havendo reconversão nenhuma.

A situação, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista regulamentar, é tão má que hoje o país tem cerca de 850 mil hectares de eucalipto com produtividades médias baixíssimas (poderiam facilmente duplicar ou triplicar com investimento e conhecimento, duas coisas que exigem o ingrediente básico do capitalismo: a confiança), dos quais meio milhão a seiscentos mil hectares não dão palha nem dão espiga, isto é, nem são grande coisa para a produção, nem produzem bens colectivos como biodiversidade, gestão sensata do fogo e coisas que tais.

Pareceria evidente que, perante esta situação, seria fácil ao país desenhar um roteiro de intervenção no sector de modo a diminuir fortemente a área de produção, aumentando a produtividade média e, provavelmente, a produção de eucalipto.

O interesse da indústria é o de aumentar a produção e a produtividade.

O interesse dos produtores de eucalipto é aumentar a produtividade e a remuneração do seu trabalho.

O interesse da sociedade é o de reduzir a área que está socialmente desvalorizada com plantações de eucalipto da treta.

A academia, a que estuda o assunto, evidentemente, não a quantidade de académicos que se pronunciam sobre a produção de eucalipto sem lerem um artigo científico sobre o assunto há trinta anos, diz que isto é bastante fácil, basta ir substituindo plantações mal localizadas e mal geridas por áreas de boa produtividade e tecnicamente bem geridas.

Mais, as indústrias de celulose têm vários embriões de como obter este resultado, envolvendo os proprietários e sem beliscar os seus direitos de propriedade, quer em Álvares, quer pelos lados de Pedrógão, quer em Mortágua, e vários desses embriões resultam na diminuição da área de produção de eucalipto, quer por via de faixas de gestão de combustível, pela por via da dedicação de pelo menos 10% da área à conservação da natureza.

Só que da parte do governo, com apoio urbano maioritário e lugar cativo nos jornais, as soluções vão no sentido de acentuar o garrote administrativo que tem levado à situação actual.

O pressuposto é o de que as intervenções controladas pelo Estado defendem melhor o interesse público que a livre troca de bens e serviços, por parte dos participantes nos mercados associados.

Recentemente, a propósito do absurdo do arrendamento forçado de terrenos, um jornalista do Expresso, Vítor Andrade, questionado sobre se o arrendamento forçado seria uma boa solução, responde meio atrapalhado que não sabe, tem é de se fazer alguma coisa, isto nunca foi tentado, portanto talvez seja melhor tentar porque alguma coisa tem de ser feita.

Sem pretender, provavelmente sem querer, Vítor Andrade representava, nessa resposta, grande parte do país: não faz a menor ideia da utilidade do que o Estado quer fazer, mas será seguramente melhor que olhar para o fundamento económico do problema.

Tentar resolver os problemas que tornam o mercado da produção de eucalipto muito pouco eficiente é que é uma hipótese que nem se admite.

Que o respeito pelos direitos de propriedade, que o carácter voluntário da troca e que aumento da concorrência sejam promotores da confiança essencial ao investimento necessário à gestão equilibrada da paisagem parecem ser princípios muito menos sólidos que a ideia de que é preciso que o Estado faça qualquer coisa, porque com as pessoas agindo livremente não se pode contar muito.

Dizem que esta conversa ocorreu mesmo, entre o CEO de uma das celuloses e o CEO de uma das corticeiras.

O primeiro diz que está farto de estar sempre à defesa, gostava era de trabalhar com uma espécie como a outra com que o CEO da corticeira trabalha.

Responde-lhe o segundo que preferia trabalhar com uma espécie de que ninguém gosta, mas toda a gente planta, a trabalhar com uma de que toda a gente gosta, mas ninguém planta.

Perceber que a decisão de plantar uma ou outra deve ser uma decisão tão livre quanto possível, em que o Estado não mete o bedelho quando os terrenos não são seus ou, vá lá, a não ser que a sua plantação belisque direitos colectivos muito bem definidos e fundamentados, é que tem sido difícil.

Não somos pobres por fatalidade, mesmo quando temos vantagens competitivas enormes, tanto no caso do eucalipto, como do sobreiro, arranjamos maneira de inventar sarna para nos coçarmos, pondo o Estado a tomar decisões que não lhe competem.

Somos remediados, sim, mas por opção.

Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.