Para quem está com dificuldade em entender o que se passa na política nacional e em particular no (des)governo, vale a pena lembrar um clássico do cinema. O Feitiço do Tempo é um filme de Harold Ramis com Bill Murray no papel principal. Um repórter de televisão que faz previsões de meteorologia (Bill Murray) vai a uma pequena cidade fazer uma reportagem sobre o celebrado “Dia da Marmota”. Pretendendo ir embora o mais rapidamente possível, fica inexplicavelmente preso no tempo, condenado a viver para sempre os eventos daquele dia.
Depois das eleições de 30 de janeiro de 2022, é exatamente assim que o Primeiro-ministro se sente. Preso no tempo. Logo na tomada de posse, o Presidente da República, que é rápido como mais ninguém a perceber os sinais e a antecipar cenários futuros, cortou as vasas a António Costa e explicou que ele era o senhor daquela maioria absoluta e que se se fosse embora acabava a festa socialista. Costa ouviu, fez o seu melhor sorriso amarelo e passou a viver enredado no tempo.
30 de janeiro foi o dia em que António Costa viu a sua tarefa tornar-se um pesadelo. Apesar de o pedir, o homem que estava estafado de sete anos de Governo nunca imaginou que os portugueses lhe fossem dar o que pedia. A maioria absoluta foi um presente envenenado para quem já só pensava como escapar de Portugal rapidamente e em força. Bruxelas era o dia seguinte e luminoso que o líder do PS tinha já como certo para o seu futuro próximo. Os resultados eleitorais dificultaram os planos, mas mesmo assim Costa achava que nada estava perdido. Marcelo pregou-lhe uma rasteira fatal.
Agora, o Primeiro-ministro está afundado numa maioria absoluta interminável. Sem energia e sem ideias, Costa sabe o que é preciso fazer, mas não quer fazer. A maioria absoluta não lhe permite desculpas fáceis. Nas suas intervenções estafadas para justificar crises quase diárias, o Primeiro-ministro bem se esforça por recuperar uma narrativa esgotada: enfrentámos o défice excessivo, a pandemia e a guerra. Já ninguém o pode ouvir. Nem mesmo os seus apoiantes socialistas.
António Costa quer ir-se embora o mais rapidamente possível, mas Marcelo mantém-no enredado na sua maioria absoluta. Um dia, o feitiço do tempo, tal como no filme, vai acabar, mas esse tempo não é agora, porque uma maioria absoluta não é um resultado qualquer e a última coisa que o Presidente e o país querem é um Primeiro-ministro a fazer-se de vítima e a dizer que não fez mais porque os outros o fizeram cair. O feitiço do tempo de António Costa só se vai quebrar quando for claro para todo o país que o seu Governo é IN-COM-PE-TEN-TE.