Recuemos exactamente cinco anos. Imaginemos que o actual primeiro-ministro, então líder recente do PS em plena campanha eleitoral contra a aliança PSD-CDS, a qual conseguira, com a ajuda internacional, estancar o aumento da dívida externa criado pelo desvario partidário de Sócrates, o qual se encontra a aguardar julgamento desde então, imaginemos, dizia eu, que António Costa teria anunciado durante a campanha que iria formar uma “geringonça parlamentar” a fim de subir ao poder às costas da extrema-esquerda…

Muito raros foram os intervenientes que se aperceberam do que aí vinha, incluindo protagonistas como Cavaco Silva e Passos Coelho, os quais permitiram que se consumasse o golpe parlamentar da tal “esquerda unida”! Ora bem, no caso de Costa ter revelado ao eleitorado esse projecto escondido de “frente popular”, é evidente que muitos eleitores do PS e muitos abstencionistas teriam corrido às urnas para evitar o seu “triunfo”.

Onde pretendo chegar é que, independentemente da crise pandémica, a situação portuguesa podia ser hoje bem diferente daquela em que o país se encontra, completamente dependente do dinheiro prometido pela UE com as suas condições financeiras e técnicas, bem como a dívida de novo em alta. O Presidente da República tem graves responsabilidades no que se passou entretanto no país e que devia ter evitado perante o afundamento do regime numa espessa teia corporativa, clientelar e corrupta ao modo de Sócrates. Apercebemo-nos hoje que isso vem do aparelho do PS e já se pegou aos outros partidos com a correspondente abstenção dos eleitores.

Escrevia há pouco tempo a Foreign Affairs, a propósito da antiga URSS, que a história da Rússia e da generalidade dos países não estava escrita de antemão nem os protagonistas eram necessariamente os mais indicados para a mudança. Os resultados do fim do “comunismo” foram o que foram devido à forma como os herdeiros do império soviético agiram, nomeadamente, vis-à-vis da China e perderam.

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Na mesma linha de pensamento, veja-se a diferença das posições dos países prestadores dos auxílios europeus perante a pandemia frente às dos beneficiários dos empréstimos prometidos. Em suma, há uma abissal diferença política e cultural entre dadores e recipiendários, concretamente quando por cá a tal “esquerda” já fala dos benefícios que a Holanda e os escandinavos irão tirar das dádivas aos eternos necessitados…

É por razões de sistemática má governança e por mau comportamento partidário que Portugal se encontra na posição em que está e não por causa de uma pandemia universal. Um exemplo aparentemente menor como o dos “lares de idosos” continuará a ser, especialmente nos países de tradição católica, um desastre humano tecido entre o aparelho de Estado português de origem salazarista e essas seculares instituições de alegada segurança social – as “Misericórdias” – será amanhã a prova da mesma situação de hoje. Isto, depois de o governo reconhecer que pelo menos 40% dos óbitos por covid-19 tiveram lugar nos ditos lares, incluindo em “lares de luxo” da órbita de exemplares das finanças portuguesas como o inimputável Montepio…

Porém, esse sinal infamante do que pode ser o lugar reservado aos velhos na nossa sociedade não fica por aqui. A passividade dos sucessivos governos do país perante dos riscos inerentes ao envelhecimento demográfico é tudo menos desinteressada, como já acontecia com a chamada assistência social no tempo de Salazar. Com efeito, desde a questão das reformas (além das pensões fora do sistema, são pagas mais de 3,6 milhões a menos de 2,5 pensionistas), até à questão da saúde pública (além da privada), bem como à do futuro mercado de trabalho, o qual passa necessariamente por estudantes e docentes, a passividade dos sucessivos governos é total e podemos ter a certeza que assim continuará, com ou sem a vacina que o governo diz já ter comprado quando ela ainda não existe!

Todavia, não está previsto nem é previsível que o miraculoso dinheiro da UE vá para as rubricas directas e indirectas do Orçamento de Estado associadas ao envelhecimento demográfico, o qual tudo leva a crer que está aí para ficar. Assim, o Estado português gasta anualmente nas reformas, na saúde e na educação a módica quantia de 30 mil milhões de euros (15% do PIB actual), sem falar de inúmeras despesas particulares como essa outra herança salazarista que é a ADSE…

A continuidade das políticas públicas; a inamovibilidade dos funcionários de Estado; a passividade perante o envelhecimento demográfico e a mudança social são outras tantas manifestações da paralisia governamental disfarçada pelo frenesim da propaganda mediática. Em suma, a decrepitude crescente do regime político e dos seus corpos gerentes, como mostra o aperto centralista da apelidada “regionalização”, não poderá deixar de se prolongar até mais uma crise. Como em Portugal não há revoluções, só golpes militares, resta a emigração, mas esta parece fechada. Daí que só uma nova Constituição!