Há duas semanas que sabemos que o secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro é suspeito de prevaricação em anterior cargo público. Ontem, foi acusado pelo Ministério Público. Isto quer dizer que houve, desde o princípio, matéria suficiente para ter dúvidas razoáveis sobre a sua continuação no Governo. Até alguns socialistas tiveram essas dúvidas em público. O Primeiro-Ministro, porém, permaneceu inabalável, à espera do curso da justiça. Só ontem, perante a acusação, achou que fazia sentido a demissão.

Acontece que ser formalmente acusado pelo Ministério Público ou estar preso às ordens de um Tribunal não podem ser as únicas razões para alguém não ser governante. Não é o Ministério Público nem são os tribunais que devem decidir quem faz ou não faz parte do Governo. É o Primeiro-Ministro, de acordo com critérios que terão a ver com a sua confiança, mas também com a confiança do público. Um membro do Governo tem de estar acima de suspeitas legítimas. É uma questão de autoridade. Um governante que não é respeitado não tem, de facto, “condições” para governar, esteja ou não acusado.

Nada disto é novo. Desde há anos que António Costa parece empenhado em utilizar as fragilidades dos membros do seu governo como uma espécie de ocasião para, resistindo a todos os apelos, provar que tem força. Quanto mais suspeito ou desprestigiado um governante, mais o Primeiro-Ministro insiste em mantê-lo. Como se temesse que outra atitude pudesse ser entendida como um sinal de debilidade. Esta é uma obstinação que tem uma origem muito óbvia: não vem da convicção da força, mas do receio de parecer fraco. Ora, só os fracos têm medo de parecer fracos. O corrente poder socialista está nesse caso.

Perguntar-me-ão: mas donde lhes vem esse medo, se até uma maioria absoluta têm? O facto é que essa maioria, talvez por demasiado acidental, não lhes deu segurança. A oligarquia socialista ocupa o Estado, controla as grandes instituições e empresas, e orienta a comunicação social. Com isso, consegue frequentemente reduzir a vida pública a uma bolha absurda, em que de repente descobrimos que está toda a gente, com um ar muito sério, a discutir André Ventura como se fosse o principal problema do país. Mas nem por isso a oligarquia socialista perdeu o seu medo do país: está no poder, mas perante uma sociedade com que não se identifica e em que não confia. Mais: devido à dependência financeira externa do Estado, demasiadas coisas estão fora do seu controle. Nunca sabe quando tudo pode mudar. Daí o despudor do seu assalto ao Estado, que encara como único instrumento de poder na sociedade portuguesa. Daí também esta necessidade de exibir força, como meio de esconder a sensação de fraqueza.

Que não há aqui genuína arrogância, viu-se pela reacção do governo àquele que foi até hoje o mais brutal de todos os actos de desrespeito institucional por um governante neste regime: o raspanete público que o Presidente da República se permitiu dar, em termos inaceitáveis, à ministra da Coesão Territorial. Noutros tempos, teria sido – e muito justamente – matéria de crise política: nenhum governante nem nenhum Governo aceitariam ser assim desautorizados em público. Mas a ministra fez que não percebeu, e o Primeiro-Ministro imitou-a, dissertando sobre a “criatividade” presidencial. Porquê? Se me disserem que é porque precisam de ter o Presidente da República do seu lado, ao ponto de serem obrigados a engolir todas as suas excentricidades e insolências, confirmam o que eu disse acima. O poder socialista consiste apenas no controle que um partido exerce sobre a máquina de um Estado que depende totalmente da União Europeia, e por isso é demasiado vulnerável para ser compatível com a dignidade ou a decência.

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