“Os Governos devem ser avaliados pela felicidade que conseguem promover junto dos seus cidadãos. Essa é a sua única utilidade e o seu único fim”.
Adam Smith (The Theory of Moral Sentiments, 1759)

No âmbito da sua candidatura à liderança do PSD, Luis Montenegro apresentou, como linha-mestra do seu Programa, a adoção de um índice de felicidade interna bruta, no nosso País.

Sem surpresa, esta ideia inovadora suscitou dúvidas, reservas e até desdém por alguns comentadores e responsáveis políticos. Uns por desconhecimento (legítimo), outros pela irresistível tentação de bloquear o que quer que seja que ponha em causa o status quo.

Seja como for, todos merecem conhecer melhor esta proposta e, eventualmente, sustentar as suas opiniões em argumentos um pouco mais sofisticados.

Comecemos por algumas premissas: é ou não verdade que as pessoas, em especial os mais jovens, estão cada vez mais afastados da política? É ou não verdade que tal se deve, em grande parte, à incapacidade dos políticos para responder aos reais anseios da pessoas? É ou não verdade que esta descrença na “bolha política” tem levado à afirmação crescente de fenómenos populistas com caraterísticas perigosas para a democracia?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se estivermos de acordo com estas premissas, valerá a pena assumirmos que a resposta dos “políticos tradicionais” não está a resultar e, assim, valerá a pena tentarmos ser mais competentes na busca  de soluções.

Na verdade, os eleitores são hoje confrontados com um dilema complexo: votam nos do costume, desatualizados e desligados da realidade concreta, ou escolhem protagonistas e retóricas anti sistémicas, fundadas em populismos que manipulam o descontentamento e promovem ódios em prol de perigosos projetos de poder.

Perante isto, não será nosso dever proporcionar uma terceira opção aos eleitores?

Esta é, assim, a primeira conclusão a retirar. Os políticos que acreditam nos valores democráticos têm de mudar a abordagem e a substância da sua ação. Se não o fizerem, tenderão para o anunciado colapso.

Em segundo lugar, importa perceber que o Mundo mudou muito na última década. As consequências da crise financeira, da globalização e da evolução digital foram mais profundas do que, por vezes, queremos interiorizar. As expetativas e o quotidiano das pessoas são hoje muito diferentes. Como costuma dizer o Presidente da República, não podemos ter uma política 2.0 para uma sociedade 4.0.

O problema é que, neste diagnóstico com que (quase) todos concordaremos, tem faltado uma resposta convincente que defina esta “nova política” e que possa entusiasmar as populações sem recorrer ao negativismo dos populistas autocráticos.

É, por isso, que a proposta de Luis Montenegro é de enorme valor. Porque ela incorpora toda uma nova filosofia de assimilação das reais expetativas das pessoas, focando-se nas suas vidas e na realização plena de cada indivíduo.

É uma ideia que brota de questões fundamentais: o que é verdadeiramente importante nas nossas vidas? Que valores queremos promover e consolidar na nossa sociedade? Em que tipo de País queremos viver?

A política deve desempenhar um papel ativo criando condições para vivermos numa comunidade mais feliz, numa sociedade mais equilibrada, num ecossistema mais sustentável e num contexto em que todos tenham oportunidade de se realizar individualmente. É neste personalismo que acreditamos.

Para o conseguir, teremos de ser muito competentes na gestão das políticas públicas.

Como aprendemos com Peter Drucker, o que não se mede, não se gere… Ora, a política tradicional utiliza como único indicador de medição de “sucesso” de um País o seu Produto Interno Bruto (PIB). Basta a um País, num determinado contexto,  aumentar o seu PIB, para qualquer Governo cantar vitória. Diz-se que o País está a crescer, que aumenta a riqueza, que está no bom caminho. É hora de por isso em causa.

Não se quer deitar fora o PIB. É, sem dúvida, uma métrica de enorme utilidade. Mas tem muitas limitações. Deixo um exemplo básico: se uma localidade decidir instalar uma nova fábrica altamente poluidora, verá a sua produção, o seu PIB, a sua “riqueza”, aumentar de forma muito significativa. Mas se a fábrica contaminar dramaticamente as populações dessa localidade, tal é ignorado pelos números do PIB. Essa localidade “cresce”, mas não estará certamente no bom caminho…

O PIB mede resultados agregados, mas não tem em conta as desigualdades de rendimento, por exemplo. O PIB não está preparado para medir a economia digital, com tantos bens e serviços intangíveis. O PIB não valoriza os cuidados sociais ou de saúde quando não são remunerados. Mas atribui um valor ao tráfico ilegal de droga ou ao contrabando.

Um outro exemplo paradigmático: o atual Governo celebra efusivamente o facto de o País “crescer” 2% (PIB). Mas ninguém parece importar-se com o facto do consumo de antidepressivos ter mais do que triplicado nos últimos anos em Portugal… O que será mais importante na vida das pessoas?

Olhemos para os quatro grandes desafios que a nossa sociedade irá enfrentar nos próximos anos: emergência climática, crescentes desigualdades, automação laboral e envelhecimento da população. O PIB passa ao lado de qualquer um deles. O seu valor não tem em conta estas novas realidades. Mas a política tem de olhar para elas!

Nesse sentido, como instrumento de gestão, que municia informação e monitoriza as políticas públicas, devemos adotar novas ferramentas que sinalizem verdadeiramente a nossa realidade socioeconómica. Estes indicadores devem cobrir o efetivo bem-estar das pessoas e a sua efetiva qualidade de vida, não se limitando à riqueza material agregada. Esta riqueza é certamente um meio de enorme relevância, mas não é tudo. O crescimento económico é decisivo, mas não pode esgotar as respostas políticas.

O novo índice que Montenegro agora propõe pode considerar muitos outros aspetos muito relevantes para as nossas vidas, como a sustentabilidade ambiental, a inclusão social, a confiança nas instituições, o combate à corrupção, o acesso à cultura e a espaços verdes, o tempo disponível para a família, a mobilidade urbana, a solidão dos idosos, o acompanhamento das crianças, a igualdade de género, os cuidados de saúde, as oportunidades de aprendizagem, a vitalidade das comunidades, a pobreza, as condições laborais, entre tantos outros indicadores que podem ser valorizados.

Dessa forma, estaremos mais preparados para melhor servir a sociedade num projeto de bem-comum.

Alguns considerarão que esta nova abordagem política é uma rutura com o modelo capitalista e a visão neoclássica que nos tem governado nas últimas décadas. Creio que será mais adequado interpretá-la como uma evolução da resposta pública às enormes mutações que as sociedades modernas estão a viver.

É verdade que uma aproximação a esta ideia surgiu já na década de 70 do século passado no Butão. Mas abordagens mais similares à proposta apresentada por Luis Montenegro podem ser encontradas nos últimos anos em organizações internacionais (como as Nações Unidas com o seu World Happiness Report ou a OCDE e a Comissão Europeia com a sua iniciativa Beyond GDP) e em diversos Países (como, por exemplo, o Reino Unido através do seu Office for National Statistics).

Contudo, gostaria de enfatizar a iniciativa Wellbeing Economy Governments lançada em 2018 pela Escócia, Islândia e Nova Zelândia (curiosamente três países liderados por mulheres) que consubstancia uma abordagem disruptiva, mas certeira, ao assumir esta nova política focada nas pessoas. A Nova Zelândia, de resto, foi mais longe, criando o seu “orçamento de bem-estar” (em que um ponto-chave é a saúde mental) e publicando um interessante quadro de indicadores estatísticos.

Este é um tempo de grandes mudanças. Ou lideramos essa mudança ou somos por ela liderados.

A boa notícia é que estamos a uns dias de ter um novo líder político em Portugal. Moderno na abordagem, arrojado no pensamento e corajoso na ação.