Profundamente agradecido, ele disse: “Juro proteger-te de todos os males.”

O velho ouviu e inclinou de forma quase impercetível a cabeça. Ele percebeu que o velho tinha guardado as suas palavras.

Ferido pelas balas do inimigo, conseguira arrastar-se até ao rio, lançar-se na correnteza. Quase exangue e inconsciente, o velho tinha-o encontrado, quilómetros abaixo, perto da sua cabana, quando fora pescar. Cuidara das suas feridas, alimentara-o, dera-lhe abrigo. A diferença entre a vida e a morte. Passados meses, ganhara forças, as cicatrizes cobriram as feridas. Tinha aprendido muito sobre as pessoas e as coisas, nas conversas com o velho, enquanto este o cuidava, dia após dia, noite após noite. Passado o tempo da febre e da grande dor, já conseguia tomar conta do pensar e do sentir. Silenciosamente, agradecia ao velho, e, dizia de si para si, que enquanto vivesse, o iria proteger, não só como retribuição, mas acima de tudo, reconhecido, junto de quem lhe dera uma nova oportunidade.

Quando já se conseguia sentar, começou a comer à mesa. Devagar, deu os primeiros passos na pequena cabana. Depois, aventurou-se a descer até ao rio, onde olhava os peixes, o caudal poderoso, a outra margem.

Foi numa das visitações ao grande chorão debruçado sobre as águas, que o velho lhe disse que chegara o momento de partir.

Disse-o, por saber ser esse o sentimento dentro dele, querer voltar.

Ele suspirou, sabia que a cidade o esperava, nas suas oportunidades e perigos.

Jurou voltar, todos os meses.

Se alguma coisa acontecesse, estaria perto, pronto para cuidar.

Partiu.

Passou um mês. Estava muito atarefado, entusiasmado, com o regresso. Pensou de si para si que não faria mal se em vez de ir nesse mês, fosse no seguinte. No seguinte, também estava cheio de compromissos e afazeres. Talvez fosse melhor adiar para a próxima, a ida. De mês em mês, sempre por uma boa razão, não foi visitar o velho.  Passaram os anos. A certa altura, já não mais se lembrou do velho e da jura. Estava muito ocupado, cheio de energia e de vitórias.

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Um dia, o inimigo entrou, pela porta dentro.

Vinha armado. Há muito tempo, tinha-se esquecido das feridas, do sofrimento. O inimigo, levou-o até à beira do rio. Deu-lhe três tiros no peito.

Caiu. As águas revoltas de um inverno chuvoso cobriram-no. Foi atirado, mais longe, para cima dos seixos lisos e claros, perto do grande chorão.

O velho tinha ido acompanhar o fim da tarde, esperava-o o momento, a tarde não tinha fim, sem a sua presença.

Viu-o ali, exangue e inconsciente.

Levou-o para a cabana e dele tratou, dia e noite.

No meio da febre alta, tinha alucinações. Via-se fora dali, num tempo em que, curado de todos os males, era o rei da cidade. E não sabia se o sonho era estar curado, na cidade, doente, na cabana, ou o seu contrário.

Quando, finalmente, acordou, e na clareza da aurora viu o que o velho tinha feito por ele, chorou amargamente, arrependido, por tanto ter adiado cumprir o que jurara.

O velho olhou-o com os seus olhos límpidos, com a transparência das almas fortes. E nesse olhar havia doçura e cuidado.

Jurou voltar, duas vezes por mês, para compensar todo o tempo perdido. Prometeu fazer da cabana uma casa, com salas, quartos e tudo o resto, um caminho direito para lá chegar, uma cerca que evitasse os animais que davam cabo das sementeiras, das colheitas. Jurou trazer eletricidade e água, e que nunca faltaria pão e mel sobre a mesa.

Despediu-se coberto de lágrimas.

Regressou à cidade, onde se cobriu de fortuna e glória. O tempo, foi sulcando o caminho.

E nunca mais voltou.