O Governo promete reduzir o défice público em 2023 apesar de a economia mergulhar de um crescimento superior a seis por cento para um inferior a dois por cento. Na clássica avaliação de uma política orçamental, estamos perante uma orientação contraccionista ou, como popularmente ficou conhecida, austeridade.

Num primeiro olhar, somente para os principais grandes números, o Orçamento para 2023, que entrou este dia 10 de Outubro na Assembleia da República pelas 13:00, é mais contraccionista do que o de 2022, apesar da longa lista de medidas apresentada pelo ministro das Finanças Fernando Medina numa conferência de imprensa que durou cerca de três horas.

O défice público reduz-se de 1,9% para 0,9% do PIB, quando a economia passa de um crescimento projectado de 6,5% este ano para uma previsão de 1,3% em 2023. As medidas anunciadas valem 0,7%, ou cerca de 1700 milhões de euros. Ou seja, sem as medidas temporárias, o défice de 2023 seria de apenas 0,2%. (ver página 109).

Outra das medidas usada para medir a orientação política das contas pública é o designado défice estrutural – que retira do saldo orçamental os efeitos do ciclo económico e as medidas de carácter temporário. E esse défice vai no mesmo sentido do que popularmente se designa como austeridade. Na proposta do Governo, este défice estrutural diminui de 2,4% em 2022 para 0,9% em 2023, uma quebra muito mais significativa do que a prometida de 2021 para 2022. Face até ao que acabou por acontecer, o Orçamento deste ano é até mais expansionista do que se previa, enquanto se perspectiva o contrário em 2023.

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Face aos resultados destes grandes números, é forçoso concluir que a longa lista de medidas, apresentada na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento, tem um impacto limitado de redução na receita e aumento da despesa pública. São medidas de elevado impacto mediático e reduzido ou mesmo nulo efeito orçamental.

A inflação é um dos segredos desta espécie de milagre de anunciar muitas medidas, como redução de impostos e aumento de apoios, sem custo orçamental e com a economia a abrandar significativamente. O que é dado pelo Orçamento às empresas e famílias está muito longe de anular o que lhes é retirado pela subida dos preços, fundamentalmente através de impostos, mas igualmente por via da engenharia usada para aumentar as pensões de reforma.

Só por via do que tem sido designado como “truque das pensões”, o Governo conseguiu retirar do Orçamento de 2023 cerca de mil milhões de euros (0,4% do PIB), que entraram nas contas de 2022, mas que a partir do próximo ano constituem uma poupança permanente. Repare-se que esta poupança é equivalente a 0,4% do PIB quando o Governo estima que os apoios correspondem a 0,7% do PIB.

O ministro das Finanças prometeu, na conferência de imprensa, que deixará derrapar o défice público caso a economia venha a crescer menos do que o previsto ou mesmo a entrar em recessão. Não haverá políticas pró-cíclicas, prometeu. Mas os grandes números dizem-nos que esta proposta de Orçamento já é pró-cíclica, ou seja, é contraccionista (é de austeridade, se preferirem) alimentando por isso o abrandamento da economia.

Claro que a gestão de expectativas, através das medidas que o Governo vai anunciando e repetindo, pode contribuir para aumentar a confiança e mitigar o pendor de austeridade do Orçamento. Mas como a perda de poder de compra é real, a ilusão de generosidade orçamental será passageira, depressa se vai esfumar.

Não se está aqui a criticar a orientação da política orçamental. Na realidade, face à situação que vivemos, um orçamento expansionista arriscava alimentar a inflação, aquilo que é mais urgente combater, e expor o país a um eventual risco financeiro num ambiente em que os mercados estão instáveis – veja-se o que se passou com o Reino Unido. É, de facto, preciso retirar Portugal da lista dos países endividados para que esteja protegido de tempestades financeiras.

O que o Governo nos está a dar é uma ilusão. Devíamos ser capazes de ver isso, de ver que a perda de poder de compra, pelo menos nesta fase, é o menos mau dos caminhos. E um Governo devia ganhar em confrontar-nos com essa realidade. Mas essa não tem sido a regra dos governos liderados por António Costa, numa estratégia marcada pelo optimismo que tem tido a aprovação do eleitorado. Parece que preferimos acreditar em milagres.