Nada na lei impede o atual Ministro das Finanças de ser o próximo Governador do Banco de Portugal. Mas o mais elementar bom senso e a prudência na ação governativa deviam excluir essa possibilidade.

Desde logo porque foi este Ministro que tentou na anterior legislatura implementar uma reforma da arquitetura da supervisão financeira em Portugal que foi cilindrada pelo BCE e criticada por todos os supervisores nacionais, incluindo o próprio Banco de Portugal. Como é que não pode ser visto como um conflito de interesses tentar fazer passar uma reforma relativamente a uma instituição que depois se vai liderar?

Depois, porque a experiência de misturar governantes com Governadores teve no passado recente um resultado no mínimo infeliz. É difícil esquecer que foi no mandato do Governador Vítor Constâncio, que também foi Secretário Geral do PS e Ministro das Finanças de um Governo socialista, que se deu o caso do “Assalto ao BCP”. Na altura, Jo Berardo reforçou a sua posição no BCP com a aprovação do BdP, graças a um financiamento da Caixa Geral de Depósitos aprovado pela Administração de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, seus correligionários, que saltaram escassas semanas depois para a Administração do BCP. O buraco financeiro ficou para todos nós pagarmos, mas na Comissão de Inquérito à Caixa o ex-Governador lembrava-se de pouco a não ser de que não podia ter feito nada.

Por fim, porque a relação entre um Banco Central e o poder político é complexa e tem sofrido transformações. O facto de ser a mesma pessoa a usar os dois chapéus sucessivamente e sem nenhuma interrupção, dificulta o exercício de equilíbrio delicado entre a necessidade de preservar a independência do Banco Central e assegurar que a sua atividade seja escrutinada. Quer valorizemos mais a independência, quer o escrutínio, a ideia do atual Ministro das Finanças passar diretamente a Governador é no mínimo imprudente. Numa perspetiva de independência é pouco credível que o Professor Centeno, de um dia para o outro, se possa afirmar independente do Primeiro Ministro que o escolheu duas vezes para Ministro das Finanças. Ainda que no seu íntimo ele o seja, com que credibilidade o pode afirmar perante os cidadãos que devem ver o Banco Central um pilar independente da sustentabilidade financeira? E numa perspetiva de escrutínio, quem no Ministério das Finanças terá a independência suficiente para avaliar o trabalho do antigo chefe?

Se se concretizar, esta mudança é um regresso a práticas indesejáveis do passado, é má para a imagem do Banco Central junto dos cidadãos, para a relação entre a instituição e o seu novo líder e para a frieza que é necessária no debate sobre a independência e o escrutínio político do Banco Central.

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