Nota: 14
Uma das novidades deste governo esteve numa suposta nova atitude perante a Europa. Essa atitude não tem qualquer originalidade. É a do Syriza de 2015, sem as acrobacias de Varoufakis: em tensão com a Europa, mas sem romper com a Europa; contestando as regras, mas prometendo cumprir as regras. O contexto actual, de debate e de dúvida sobre o futuro da UE, é que é diferente, e torna este jogo diplomático-financeiro mais perigoso.
Quanto ao mais, o que caracteriza a política externa deste governo é o desaparecimento do resto do mundo, sem os Brasis, as Angolas e as Venezuelas que ainda justificavam viagens e esperanças há uns anos atrás. A política externa portuguesa é hoje pouco mais do que a política de relação com a Comissão Europeia. O ministro dos Negócios Estrangeiros não tem sido um dos grandes protagonistas dessa política, aliás conduzida directamente pelo primeiro-ministro. Basta ver a sua última entrevista a um semanário: se não soubéssemos que era o ministro dos Negócios Estrangeiros, não o ficaríamos a saber, nem pelas perguntas, nem pelas respostas.
Santos Silva não é um guru das relações internacionais, nem sequer um daqueles políticos que, uma vez nas Necessidades, descobriram visões de Portugal no mundo, ou vocações tardias de viajantes diplomáticos. É fundamentalmente um dos homens do poder socialista, ministro em todos os governos do PS desde o ano 2000 – primeiro com Guterres, depois com Sócrates, agora com Costa. Nem sequer tem uma especialidade. Vai já no quinto ministério diferente – depois da Educação, Cultura, Assuntos Parlamentares e Defesa, calhou agora os Negócios Estrangeiros.
É costume arrumar os socialistas em alas, uns mais à esquerda e outros mais à direita. Santos Silva faz simplesmente parte da ala governamental do PS. Representa, de certa maneira, a metamorfose de uma parte do PS em puro partido de poder, para além de quaisquer embaraços ideológicos. Está num governo socialista apoiado no parlamento pelo PCP e pelo BE, como estaria num governo socialista apoiado pelo PSD e pelo CDS. Todos os chefes de governo socialista contaram com ele, provavelmente porque, para além das suas qualidades, sabe adaptar-se e não faz sombra a ninguém: no actual líder já viu um novo Mário Soares. O seu discurso, fluente, seguro e argumentado, é sempre o discurso oficial do partido. Hoje, é difícil imaginar um governo socialista sem ele.