O governo e o parlamento estão povoados de ex-Jotas e antigos ou atuais líderes de distritais partidárias. Ou seja, quem governa Portugal não é uma elite profissional dos mais qualificados ou melhores na sua profissão, que tivessem capacidade de competir com a Europa para estarmos nos lugares cimeiros em vez de nos últimos lugares dos rankings económicos do Eurostat há décadas, mas entrincheirados dependentes da política que ganham eleições intrapartidárias. Como chegam ao governo?

Em Portugal, ao contrário das democracias avançadas, os políticos não chegam ao parlamento e ao governo por ganharem círculos unipessoais em que o mais amplo número possível de cidadãos votantes os possa avaliar, mas ganhando eleições intrapartidárias de reduzida participação, cheias de barreiras contra a democracia e competição. Assim começa o horror ao mérito e qualificação da classe política atual.

A principal dessas barreiras são as quotas. As eleições distritais e nacionais nos dois partidos do arco do poder português estão para breve. No PS, tal como no PSD, há indivíduos a pagarem as quotas de outros, aos milhares e por atacado. Ganhar uma distrital e uma posição nacional exige muito dinheiro e no PS esse dinheiro tem de ser já pago todo até 30 de novembro, antes, mesmo, de a campanha começar em janeiro. Portanto, a campanha é só uma fachada que antes de começar já está fechada a qualquer oposição. As eleições do PS para concelhias, distritais e secretário-geral do PS durante 2020 serão uma farsa disfarçada de democracia porque milhares de militantes (que não pagarem, já em Novembro, 36 euros de quotas em atraso) serão limpos dos cadernos para que não haja oposição interna contra Costa.

Além disso, os que pagarem agora esse valor depois, em 2020, ainda tem de pagar mais 12 euros. No total, são exigidos, pois, quase 50 euros a milhares de militantes para poderem votar durante 2020 no PS. É expectável que muitos não possam nem queiram pagar para ter de votar. Isso dá espaço para que endinheirados ligados ao poder paguem por atacado só as quotas dos militantes eleitores que mais lhes convêm e mantenham tudo na mesma, isto é, os apoiantes acríticos de Costa e atuais lideres distritais.

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Pagar para governar é um defeito tão antigo como o Império Romano. Para pagar votos, alguns prometiam favores aos seus benfeitores ou familiares pagos com o dinheiro do estado quando chegassem ao Senado. O caso mais conhecido é o do comprador de votos Lucio Catilina, denunciado por Cicero.

Se nos resultados económicos os políticos portugueses estão longe da Europa clássica e moderna, há algo em que são parecidos com o pior político romano: pagar quotas por atacado para serem eleitos líderes das distritais e dos partidos e, daí, chegarem ao poder. Ou seja, uma significativa fatia dos políticos do parlamento e do governo chegaram lá porque pagam para vencer eleições partidárias, num universo de eleitores que, de propósito, tornam o mais restrito e menos democrático possível, para que só um número artificialmente limitado de militantes com as quotas pagas possa votar. Como nunca tiveram profissão e toda a vida dependeram da política, sabem que nem em capacidades técnicas nem resultados conseguiriam competir abertamente com profissionais de sucesso.

O valor das quotas de cada militante pode ser cerca de 50 euros, contando acumulações de anos não pagos. No limite, as barreiras são tantas que só quase a própria família e amigos podem votar em tais políticos. É claro que havendo quem pague as quotas de quatro mil militantes de cada vez, depois dizem que foram milhares de votos, mas foram apenas meia dúzia de apoiantes pagantes.

Por exemplo, o atual primeiro-ministro venceu as últimas eleições para secretário-geral do PS em maio de 2018 com 95,3% de votos. Pouco mais de 20.000 militantes votaram em Costa (ou 1500 militantes por cada distrital, em média, porque é através das distritais que chega gente ao parlamento. A 50 euros por voto, isso representa 75.000 euros para ganhar uma distrital e 1 milhão para chegar a secretário-geral.

Exigir tal capacidade milionária a um possível adversário no PS nacional e aos seus apoiantes nas distritais, mantendo nos estatutos este vício de pagar para ganhar, revela apetência por mãos sujas de dinheiro. Os políticos do costume querem manter votos pagos, para serem eleitos com dinheiro e impossibilitarem que haja candidatos honestos. Falamos, também, dos apoiantes ou coniventes silenciosos dos negócios ilegítimos misturados com política ou simplesmente beneficiários do muito dinheiro legítimo que ganham nos cargos do estado e subvenções. Protegem-se através das quotas, de qualquer oposição interna íntegra que queira reformar o país desinteressadamente e não se sustente com política.

Finalmente, é preocupante o que esperam em troca os amigos e familiares de um candidato que tenham gasto centenas de milhares de euros no pagamento de quotas para assegurar a chegada ao parlamento e governo. Será que vão ficar satisfeitos com um retorno desse investimento de um único salário governativo líquido de 4.000 euros, com o cargo a ser desempenhado sempre com o melhor interesse do país em mente, sem esperar quaisquer favores em troca quando o ministro fizer decisões sobre para onde e para quem vão os milhares de milhões de euros dos nossos impostos?

É devido a esta perversa forma de ascender ao parlamento e governo que Portugal tem tantos deputados inexplicavelmente fracos ou governantes a fazerem favores inexplicáveis com o dinheiro do Estado. É, também, por este sistema de quotas e eleições intrapartidárias que tantos deles, depois, têm ainda a família e amigos no próprio governo ou como assessores do governo ou grandes autarquias como a de Lisboa, pagos acima das suas qualificações, nas Administrações das Fundações, Empresas Públicas, Autoridades Reguladoras, além de negócios com o Estado a pagar-lhes.

A “confiança política” não explica o grau único de Portugal na promiscuidade, nepotismo e eternos maus resultados nunca avaliados em milhares de cargos onde, para os cidadãos serem servidos ao melhor nível da Europa em vez do pior e verem retorno dos impostos, deveria haver excelência e competência.

Para haver em Portugal um espaço democrático contra a incompetência atual é preciso permitir vitórias de cidadãos com profissão, qualificados e íntegros, dentro e fora dos partidos que não dependam nem da política nem de favores envenenados de amigos endinheirados. É necessário reformar, eliminando o sistema das quotas nos partidos do poder e não permitindo a limpeza dos cadernos de militantes para entrincheirar políticos sem qualquer oposição.

Diretor Global de Multinacional Farmacêutica em Oxford. Militante do PS