Apesar de ser cedo para prever o fim da guerra os sinais dos últimos quinze dias são claramente positivos. As conversações entre russos e ucranianos progridem, nomeadamente em torno de dois temas críticos a que já me referi no último artigo: a aceitação da não pertença da Ucrânia à Nato, e um estatuto de muito maior autonomia para as regiões administrativas de Donetsk e Lugansk. As coisas poderão ainda piorar muito, com a eventual tomada de Kiev, para depois começarem a melhorar. Não parece muito difícil chegar a um compromisso prático sobre aqueles dois tópicos. Bem mais difícil é transmitir às respetivas opiniões públicas internas, que esse compromisso não significa a derrota de nenhuma das partes. Estou plenamente convencido que esta guerra será de curta duração e que quando o nosso Orçamento de Estado for aprovado as armas já se terão calado.
O mundo que emergirá desta guerra é um mundo tripolar com a China a liderar o pólo das economias de regime autoritário e não democrático, que reforçou a sua relação com a Rússia e uma posição de neutralidade complacente da Índia. Seguem-se os EUA, se pensarmos não apenas na economia, mas também na capacidade militar e por fim a Europa que depois de perceber que não tem soberania digital (a economia do futuro) percebeu melhor agora que também não tem soberania de defesa. É assim necessário repensar a defesa europeia e a globalização das nossas economias e perceber que o nosso espaço privilegiado de relações comerciais deve ser europeu (incluindo a Ucrânia) e transatlântico e que não pode haver dependência perante terceiros em setores estratégicos.
A guerra abriu um debate que urge começar a ter sobre as suas implicações orçamentais em Portugal até porque teremos novo governo e nova Assembleia da República muito em breve. Que objetivos devemos ter para o défice orçamental? Devemos aumentar o Orçamento da defesa? Mexer nos impostos? Como devemos gerir a nossa dívida? É agora claro que o OE a ser apresentado sofrerá alterações significativas por dois tipos de razões. Primeiro, a alteração prevista na orgânica governamental, implicará alterações no orçamento de vários ministérios. Segundo, o cenário macroeconómico de base será diferente. Terá menos crescimento económico, mais inflação, mais elevados juros, maior despesa fiscal para compensar a subida dos impostos sobre os combustíveis.
As grandes tendências para este ano, assumindo que a guerra terminará nos próximos meses, estão já relativamente claras. O Banco Central Europeu vai seguir a reserva federal norte americana e subir os juros bem como reduzir a sua compra de ativos diminuindo o seu balanço. Isto significa que o programa de financiamento da dívida pública deste ano pelo IGCP (estimado em emissões de 17,7 mil milhões) deveria ser acelerado. A subida dos preços do petróleo e do gaz, e consequentemente da eletricidade, muito pronunciadas no início de Março, está já a ser corrigida em baixa. Mesmo assim os combustíveis por um lado e os bens alimentares e outros afetados pela subida dos preços dos combustíveis e pelas interrupções nas cadeias de transporte, serão os principais responsáveis pelas tensões inflacionistas deste ano.
É importante que simultaneamente se protejam as famílias e empresas mais vulneráveis, mas que não se entre numa espiral de subidas de preços e salários que torne a inflação estrutural, quando ela é agora apenas conjuntural. A política orçamental este ano não deveria ser nem expansionista nem restritiva, mas no essencial neutra, mantendo o défice estrutural primário de 2021. É do lado dos impostos, em particular indiretos, que este orçamento deveria ser bem reequacionado. Não só os impostos sobre os combustíveis são muito elevados em Portugal, no contexto europeu, como há margem orçamental para uma descida mais significativa do ISP de imediato, enquanto e se o IVA sobre os combustíveis se mantiver (e já agora acabar com a anacrónica incidência do IVA sobre o ISP). Claro que para que tenha os efeitos desejados, essa descida deve vir acompanhada de monitorização clara da autoridade da Concorrência para evitar conluio entre os distribuidores para que parte significativa dessa descida seja repercutida na descida de preço para os consumidores.
Este orçamento é também uma oportunidade para se acabar de vez com os vistos gold, algo que não é apenas moralmente criticável, como economicamente indesejável. Alterações nos envelopes financeiros setoriais só se muito bem justificados. Não me convenço nada da necessidade de reforçar o orçamento da defesa, enquanto não houver uma clarificação da sua missão estratégica e uma maior accountability pública dos gastos com a defesa. Quando vemos que Portugal envia só 18 militares em exercícios da NATO com 30.000 efetivos dá para questionar: quais são as prioridades da Defesa Nacional, apagar fogos nas florestas nacionais ou o teatro de defesa europeu?
Com a formação do novo governo está na altura de começar a pensar e a discutir o Orçamento do pós guerra, não tomando medidas estruturais em resposta a uma situação que é conjuntural e que, todos o esperamos, seja o mais breve e menos dolorosa possível. Aos deputados desta nova legislatura espera-se que exerçam o seu cargo com autonomia e dignidade e não sejam correias de transmissão bem oleadas das decisões dos diretórios partidários.