A distância entre o Bairro Azul, onde António Costa nasceu, e a residência oficial do primeiro-ministro, onde hoje exerce o seu poder, é de apenas 3,6 quilómetros. O facto de o caminho entre estes dois pontos poder ser feito a pé sem dificuldades não é uma coincidência — é uma característica constante da vida do primeiro-ministro. Do princípio ao fim, o percurso pessoal e político do líder do PS foi feito num exíguo espaço de poucos quilómetros quadrados onde todos se conhecem uns aos outros, onde todos conhecem os pais uns dos outros, onde todos conhecem os filhos uns dos outros, onde todos se admiram uns aos outros e, claro, onde todos se ajudam uns aos outros.
Na entrevista que deu recentemente a Francisco Pinto Balsemão, o primeiro-ministro narrou este seu roteiro de forma cândida. E, de facto, tudo começou no nascimento. António Costa contou que veio ao mundo em São Sebastião da Pedreira, numa maternidade mesmo em frente ao Bairro Azul, “onde trabalhava o pai da Catarina Vaz Pinto”, e o obstetra da mãe foi “o pai do Manuel Pinho”. Nos anos seguintes, até à faculdade, o mundo de António Costa tinha como “fronteiras” a rua Ricardo Espírito Santo, na Lapa, onde morava o pai depois de deixar Carcavelos, e a rua Santo António da Glória, na Praça da Alegria, onde vivia a avó, e tinha como “epicentro” o Bairro Alto, onde morava a mãe. “Vivi sempre ali entre o Príncipe Real e o Bairro Alto”, descreveu o primeiro-ministro: “A minha cidade era muito restrita mesmo”.
É absolutamente verdade. A cidade de António Costa era tão restrita que fez o pré-escolar e a primária na rua de Santo Amaro à Estrela e seguiu depois, no preparatório, para o Conservatório Nacional, no Bairro Alto, “mesmo ao pé de casa”. Com as atribulações da revolução, a escola passou para o vizinho Palácio Cabral, “no primeiro andar da casa da mãe da Helena Vaz da Silva”, sendo que, lembra Costa, “os filhos dela eram meus colegas”. Ainda no secundário, inscreveu-se no PS e frequentou a Federação de Lisboa do partido, que tinha sede, como é evidente, no Bairro Alto.
Na entrevista a Balsemão, António Costa confessa, divertido, que a primeira vez que andou de autocarro — “um acontecimento” — foi quando entrou na Faculdade de Direito, no distante Campo Grande. Mas rapidamente voltou à sua zona de conforto geográfico. O estágio como advogado foi feito na rua Duque de Ávila, a 4,4 quilómetros do Bairro Alto. Naturalmente, não foi para um escritório qualquer — teve como patronos “o Jorge Sampaio” e “o Vera Jardim”. Um dos sócios do escritório, como não podia deixar de ser, era um tio de António Costa. Mesmo quando foi mobilizado para a tropa, deu-se o caso de ser colocado em instalações do Exército “mais ou menos em frente ao escritório”.
A partir daí, veio a política (e só mais tarde, na vida pessoal, teria casa em Sintra e em Benfica). António Costa foi deputado e ministro dos Assuntos Parlamentares — a Assembleia da República fica a 3,2 quilómetros da Duque de Ávila. Foi depois ministro da Justiça — o ministério fica a 2,4 quilómetros do Palácio de São Bento. Foi a seguir líder do grupo parlamentar do PS — percorrendo de volta estes 2,4 quilómetros. Ao fim de uma brevíssima passagem pelo Parlamento Europeu, tornou-se ministro da Administração Interna — que fica mesmo ao pé do Ministério da Justiça. Mudou-se a seguir para a Câmara de Lisboa — que fica a 350 metros do edifício da Administração Interna. Seguiu daí para a sede do PS — o Largo do Rato fica a 2,6 quilómetros da Praça do Município. E daí foi, como sabemos, para a residência oficial do primeiro-ministro — que fica a 900 metros do quartel-general socialista.
Quem fez toda a vida num espaço fisicamente diminuto terá sempre dificuldades em olhar para longe. Esta semana, a mais recente remodelação governamental mostrou novamente que António Costa gosta de se rodear de pessoas que conhece e que andaram pelos mesmos caminhos. Quando escolhe governantes, a sua predileção vai para adjuntos que passam a chefes de gabinete, chefes de gabinete que passam a secretários de Estado e secretários de Estado que passam a ministros. Partilhar com alguém a mesma maternidade, as mesmas escolas, as mesmas ruas de infância, os mesmos escritórios de advogados e os mesmos corredores partidários dá uma enorme tranquilidade. Por isso, qualquer personagem que esteja a mais de cinco quilómetros de distância é ao mesmo tempo um mistério e um perigo. Aos 61 anos, António Costa continua a não precisar de apanhar um autocarro para circular pelo seu pequeníssimo mundo. O problema é que, por arrasto, Portugal também está fechado nesse minúsculo lugar — e daí não sai.