A moral individual vive fundida na moral social. A tradição remonta aos Dez Mandamentos, do Antigo Testamento, quando foi tipificada magistralmente em poucas, simples e intemporais proibições escritas, por isso resistentes ao desgaste do tempo: Não matarás!…, Não furtarás!

Com mais de três milénios, a tradição continua no âmago da civilização ocidental na qual o poder supremo da moral sempre determinou o sucesso ou o fracasso das sociedades. Tal poder nasce da clarificação de interditos, o que não podemos fazer nem tolerar que outros façam, cuja quebra deve implicar consequências punitivas que oscilam entre a censura social e a penalização judicial. Uma sociedade justa é aquela que não tolera a quebra dos interditos protetores da condição humana e da vida coletiva.

Uma vez assegurada a ordem moral, torna-se possível viver em sociedades livres, democráticas e prósperas porque capazes de serem tolerantes, plurais, férteis, dinâmicas nos mais variados domínios sem resvalarem para falhanços sucessivos, desordem, tensões, violência, autodestruição, anomia.

Como o tempo histórico que vivemos é o do falhanço moral espelhado em crises endémicas sucessivas, as gerações vivas têm o dever de refundar a moral social ou a ordem moral coletiva fazendo germinar a semente lançada, em Portugal, pela profunda renovação política e partidária em curso.

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Os dez mandamentos da sociedade inteligente, justa e próspera

1 Nunca ceda à vitimização, inimiga visceral da autorresponsabilidade de cada sujeito individual ou coletivo. Apenas a autorresponsabilidade constitui o primado moral da condição humana.

 2Nunca quebre a hierarquia entre a autorresponsabilidade e a solidariedade. Ambas são fundamentais, todavia a subversão dessa ordem, colocar a solidariedade antes da autorresponsabilidade, sobrecarrega as atitudes e comportamentos responsáveis e premeia as atitudes e comportamentos parasitas. A prazo, os últimos ganham ascendência sobre os primeiros em prejuízo do destino dos povos e da segurança do mundo.

3 Nunca confunda a sociedade (aberta a todos, o espaço por excelência da democracia onde tudo pode ser reinventado por qualquer indivíduo, e sem observância de hierarquias) com as suas instituições (reservadas apenas aos seus membros para que cumpram a sua missão social específica protegidos de frivolidades e intromissões abusivas, em especial as vindas do campo político, sendo a hierarquia, a autoridade e a ordem internas indispensáveis ao bom funcionamento das instituições). A tensão entre a sociedade aberta (igualitária) e a instituição fechada (hierarquizada) constitui a garantia simultânea da vitalidade da democracia e da qualidade da vida coletiva. Nunca se esqueça que estão em causa instituições autónomas entre si que garantem os afetos e a educação/família, o ensino/escolas, a religião/igrejas, a saúde/hospitais, a segurança/polícias, a justiça/tribunais, a economia/empresas, a defesa/militares, o desporto/clubes-ginásios, entre outras, e que são elas que asseguram a qualidade na vida coletiva, não a retórica discursiva política, artística, intelectual ou de outra natureza.

4 Nunca reconheça dignidade e honestidade na defesa da liberdade individual ou da democracia a quem, ao mesmo tempo, não defenda a autoridade e a ordem, nem tolere aqueles que, por norma, contestam a autoridade institucional de pais, professores, polícias, médicos, enfermeiros, militares, entre outros. Quando compartilhada por diversas figuras sociais de referência, a autoridade é fundamental na regulação da vida coletiva e, ao mesmo tempo, plural, democrática, justa, civilizada.

5 Rejeite liminarmente teorias, princípios, ideologias ou leis cujos pressupostos não garantam, com absoluta clareza, por um lado, a autonomia entre o Estado e a Sociedade e, por outro lado, a autonomia entre a Sociedade e cada uma das suas Instituições. Sem tais garantias a autorresponsabilidade institucional fica fragilizada e, desse modo, crescem os abusos, os vícios, a corrupção, os incumprimentos, a desregulação de atitudes e de comportamentos, as disfuncionalidades das instituições que acabam por atingir a vida coletiva no seu conjunto. Está em causa a observância do princípio da democracia social, que se resume ao alargamento à vida quotidiana do ideal político proposto por Montesquieu, no século XVIII, o ideal da separação de poderes entre os diferentes órgãos de soberania como garantia de liberdade: poder legislativo (parlamento/assembleia), poder executivo (governo) e poder judicial (tribunais).

6 Nunca ceda na defesa da família e da nação, as duas instituições que melhor garantem a autorresponsabilidade coletiva por ser nelas que os indivíduos estabelecem os laços afetivos mais sólidos e perduráveis no tempo, os que transitam de geração em geração, uma vez que os mesmos estão diretamente ancorados num espaço exclusivo no qual a família e a nação foram e têm de continuar a ser absolutamente soberanos. É o caso do lar cuja proteção e dignidade da família podem implicar fechar a porta da rua. É o caso das fronteiras territoriais nacionais cuja segurança e dignidade da nação podem implicar restrições à imigração, severas se necessário, constituindo a imigração ilegal uma quebra grave da autorresponsabilidade coletiva da sociedade originária, o que retira suporte moral a esse tipo de migrantes que, desse modo, autoposicionam-se contra o mais elementar civismo. Este apenas se manifesta quando e onde existam compromissos entre a tradição e a modernidade, quando a última não rompe com a primeira limitando-se a renová-la, o que implica a recusa liminar de conflitos, e muito menos ruturas, entre a defesa da família (como a sua), da nação (como a portuguesa, brasileira, japonesa ou norte-americana), do supranacional (como a União Europeia) ou do mundial (como a Organização das Nações Unidas, ONU). Sempre que o mundial ou o supranacional se posicionarem contra a nação (contra a soberania das fronteiras nacionais) ou contra a família (contra a soberania do lar) atentam contra a própria condição humana, o que é imoral.

7 Rejeite liminarmente teorias, princípios, ideologias ou leis cujos pressupostos indiciem a fragmentação apriorística da sociedade, uma vez que todos os seres humanos nascem livres e iguais. Recuse a fragmentação entre maioria e minorias, homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres, maus e bons e demais equiparáveis. Ceder ao pressuposto da fragmentação social é admitir que o presente nasceu de injustiças históricas. Como jamais será possível responsabilizar de forma direta e objetiva as gerações de épocas passadas, sobram apenas as gerações vivas que lhes sucederam, pelo que responsabilizá-las por um tempo histórico anterior à sua existência constitui uma quebra grave do princípio da justiça humana: nunca julgar os filhos pelos pais. Predisposições mentais contra este princípio instigam a manipulação anacrónica da memória social, o que orienta as relações entre indivíduos, comunidades e povos para tensões e conflitos reparadores de supostas injustiças sociais do passado, enclausurando uns na vitimização e outros na culpabilização, o que afasta irreversivelmente a relação entre dos seres humanos da busca comum e permanente da verdade, honestidade, consenso, tranquilidade, cooperação.

8 Nunca considere defensores da sua sociedade aqueles que não a concebem como Edmund Burke, uma associação entre os mortos, os vivos e os ainda por nascer. Os que o fazem dignificam a história dos seus antepassados, promovem a partir dela a dignidade das gerações do presente, assim como asseguram a dignidade das gerações futuras, uma cadeia afetiva sem a qual não é possível manter o equilíbrio existencial e a dignidade dos povos.

9 Censure gravemente indivíduos e instituições responsáveis pelo endividamento do Estado. Como este modela a vida social, e tendo em conta que o respeito pela propriedade individual e privada constitui um núcleo fundamental de regulação dessa mesma vida social, indivíduos, famílias, empresas, associações, clubes desportivos e demais instituições são arrastados para uma relação pouco responsável com a propriedade e, em inevitáveis ciclos de crise económica, o descalabro financeiro tende a ser socialmente disseminado num momento em que o Estado se transforma no pior inimigo da Sociedade. Aquele torna-se obrigado a oprimir financeiramente a última impondo-lhe mais e mais impostos e taxas, o que corrompe os fundamentos materiais da liberdade individual e coletiva e da prosperidade individual e coletiva, desregulando a vida social no seu conjunto. Nesse descalabro cuja génese é a quebra, pelo Estado, do interdito moral do endividamento está também em causa o desrespeito grave pelas gerações antecedentes que não deixaram dívidas soberanas aos seus sucessores, mesmo sacrificando o seu conforto na sua época, assim como um ainda mais severo atentado contra as gerações futuras que ficam impedidas de nascer livres e donas do seu destino. De resto, a corrupção é, na substância, uma consequência inevitável da má gestão moral da propriedade instigada pelo Estado.

10 Nunca separe, na relação com os seus semelhantes, a árvore do pensamento (o pensamento do intelectual, académico, escritor, ensaísta, comentador, notável) da floresta do pensamento (o pensamento social que os indivíduos produzem por si mesmos à medida que se relacionam quotidianamente uns com os outros nas famílias, transportes, salas de aula, empregos, cafés, espaços de lazer, entre outros). Quebrar a complementaridade entre o pensamento individual e o pensamento coletivo (ou social), sobrevalorizando um em detrimento do outro, é o mesmo que rejeitar a plenitude da condição humana que se define, acima de tudo, pela plenitude do pensamento. Tal quebra alimenta fenómenos de alienação mental, ora instigados pelo senso comum quando sobrevaloriza a afetividade contra a racionalidade, ora instigados por intelectuais e académicos cujo narcisismo conduz à ditadura do pensamento. Este define-se pela separação dos seres humanos entre os próprios, a casta pensante, e os demais comuns, a massa não pensante. Daí que o termo populismo, quando usado em sentido acusatório nas democracias plurais, seja revelador da ditadura da casta pensante.