A viragem radical dos holofotes políticos e mediáticos do mundo para a Amazónia deixa-me bem mais apreensivo sobre a sanidade mental da espécie do que com o impacto dos incêndios, ainda que não negue a gravidade dos últimos, como não negaria em anos e décadas precedentes e futuros. Também não nego que, por responsabilidades que todos partilhamos, vivemos compelidos a repor certos equilíbrios ambientais em muito resultantes de excessos da pressão demográfica, assim como a termos de combater a poluição que contamina a atmosfera, solos, rios, mares.

Anoto que os equilíbrios ambientais e a poluição são dois assuntos que não se misturam necessariamente com um terceiro, o das alterações climáticas, embora seja o último que venda jornais e influencie resultados de eleições.

Todavia, nenhum dos desafios referidos se aproximará de soluções sustentáveis enquanto se deixar para trás a fonte contaminada e contaminadora por excelência, o pensamento. Quer dizer que poluição-mor reside no interior das nossas cabeças, no modo como o sujeito individual e o sujeito coletivo pensam e se relacionam com o seu meio envolvente. É aí que sobressai a pesada herança soviética (1917-1991) que deixou o mundo submerso em lixo intelectual e académico que nunca parou de crescer por se alimentar dele mesmo, a característica mais saliente das elites atuais.

Por estes dias, basta ligarmos televisões ou rádios, lermos jornais ou consultarmos as mais variadas informações e troca de argumentos disponíveis na Internet para termos a certeza que o fogo da Amazónia passou a arder muitíssimo mais dentro das nossas cabeças do que na natureza propriamente dita. É o resultado de uma época que sobrecarrega os indivíduos de informações à lá carte, contexto propiciador de manipulações que atentam contra a capacidade humana de pensar. Isso porque o pensamento depende muitíssimo mais do respeito por regras fundamentais de construção de conhecimentos, poucas mas indispensáveis, do que da quantidade interminável, anárquica e mal digerida de informações que se debitam no espaço público.

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Foram as regras da construção do conhecimento que fundaram e sustentam o mundo civilizado, e que os soviéticos jogaram no lixo. Eles desapareceram, mas a sua atitude resiste nos seus herdeiros que a transformaram em objeto de culto e de divulgação massificada.

É por isso que é decisivo hoje voltar a defender a liberdade de pensar, e de pensar diferente, tendo em conta que esse direito humano fundamental é incompatível com o envenenamento do pensamento social resultante da quebra das regras do conhecimento. As questões climáticas e ambientais são apenas sintomas da poluição do pensamento que se espraia pelo ensino, economia, instituições, cultura, por aí adiante.

É por isso fundamental o regresso aos ensinamentos de Max Weber. Seleciono duas das regras que o sociólogo alemão tomou como elementares na elaboração de conhecimentos, um teste do algodão contra a ignorância, o misticismo, a loucura e demais variantes do género.

A primeira regra é a de sabermos que existe uma relação inversa entre, por um lado, a atitude de compreender, interpretar ou analisar um dado objeto ou fenómeno e, por outro lado, a atitude de emitir juízos valorativos, normativos ou dogmáticos sobre esse mesmo objeto ou fenómeno. Defendia Max Weber que quanto mais julgamos menos compreendemos, e vice-versa.

Foi o lado pior dessa relação tendencialmente exclusiva que tomou conta do espaço público e publicado, assim como dos sistemas de ensino. Tropeçamos nele a toda a hora através do exemplo dos narcísicos que não dão tempo a certos políticos para que se possam fazer balanços fidedignos da sua ação após um ciclo; daqueles que renegam a complexidade da relação de qualquer sujeito político com o poder; daqueles que por antecipação produzem julgamentos valorativos, normativos ou dogmáticos em resultado de certezas absolutas que alimentam fundadas em meras suposições ou projeções especulativas.

Para eles, enquanto certas governações foram, são e serão necessariamente erradas, injustas, más, antidemocráticas, caóticas, catastróficas, irão conduzir o país e o mundo ao descalabro, destruir a economia, o estado, o planeta; outras governações, as da sua preferência política, aprioristicamente e para todo o sempre apresentarão resultados opostos, justificando-se se necessário a atribuição do prémio Nobel da Paz antes de qualquer balanço razoável da respetiva ação governativa ou a anulação de penas judiciais mesmo depois de práticas criminosas reiteradas durante o exercício relativamente tranquilo da governação. O real vivido transforma-se, portanto, num mero detalhe descartável.

Considerando que os fundamentos da racionalidade e do conhecimento implicam princípios de aplicabilidade universal, em si a seletividade e parcialidade do olhar no sentido referido constituem a negação de um pressuposto elementar na validação de qualquer conhecimento como racional, analítico, fiável, sério. Isso é mais do que suficiente para se concluir que são demasiado escassas as hipóteses de tomar como intelectualmente válidas a esmagadora maioria das apreciações elaboradas sobre governantes aprioristicamente julgados como, por exemplo, Trump, Bolsonaro, Orbán, Salvini, entre outros. Eles são a mira que permite identificar os novos bárbaros mentais.

Em sociologia, é tradição ensinar-se que quem quer compreender o mundo através dos jornais pouco mais conhecerá do que o que se passa no interior das redações desses mesmos jornais. Portanto, a realidade que hoje se vive na Amazónia é uma coisa, o folclore mediático e político em torno da Amazónia é um assunto substantivamente distinto.

A segunda regra de Max Weber é a da neutralidade axiológica. Entre outros fundamentos, ela implica nunca descartar a hipótese contrária à que defendemos quando construímos conhecimentos sobre a realidade vivida se a hipótese contrária também for plausível. A regra é tanto mais elementar quanto mais tivermos de recorrer a pressupostos especulativos, o que é inevitável quando estão em causa objetos de estudo empíricos dificilmente delimitáveis no tempo e no espaço.

Não é necessário ser especialista numa dada área, como a do ambiente, para aplicar a regra em nome da honestidade.

Vamos admitir ser indiscutível que a terra atravessa um ciclo de aumento inabitual das temperaturas (o aquecimento global). As alterações na duração e características das estações do ano, os avanços do degelo nas zonas polares, a subida do nível médio das águas, a proliferação incomum de fogos florestais, entre outras ocorrências garantem um suporte empírico fidedigno. Vamos também admitir a hipótese de a terra, mesmo que desde sempre tenha vivido em constantes transformações (climáticas, morfológicas, etc.), atravessa um ciclo fora do normal para os seus milhões de anos de existência. Vamos ainda descartar a hipótese de a causa maior dos desequilíbrios ambientais poder ser a explosão demográfica, mesmo que essa decisão seja (muito) discutível. Por último, assumamos que as alterações climáticas, os desequilíbrios ambientais e a poluição são sinónimos, ainda que saibamos que tal não corresponda à realidade.

Arrumados os pressupostos, concluamos que as ameaças em curso estão espelhadas nas transformações das características da atmosfera, sendo que esta passa a ser o aferidor do impacto das políticas ambientais presentes e futuras orientadas para a correção da ação humana. Esta é por nós considerada poluidora porque comprometida com um estilo de vida que rotulamos de capitalista, e cuja atividade económica associada retratamos como capitalista selvagem.

Assim sendo, resta-nos decretar o estado de emergência climática que, na prática, se traduz no combate ao capitalismo em nome do socialismo progressista, mas com a condição daquele disponibilizar muitos mil milhões de dólares a este. O detalhe é o das certezas terminarem aí sem que existam garantias quanto a resultados aferíveis.

Pode então entrar em jogo a segunda regra de Max Weber. Aprendi com um professor notável, Franz-Wilhelm Heimer, uma máxima (cito de memória): Você viu as ovelhas? Estavam tosquiadas? E viu-as também do outro lado?

Aplicado ao assunto em apreço, a testagem poderia ser: Você confirmou os dados na atmosfera, mares, rios, através do clima? E viu também o outro lado? Você verificou a atividade geológica do subsolo? Garante que as alterações climáticas, ou o aquecimento global, não têm qualquer relação com a atividade geológica do interior da crosta terrestre (manto superior, manto, núcleo externo e núcleo interno)? Pode garantir que os fenómenos que aí ocorrem não têm influência no subsolo e no solo com impacto no aquecimento da terra? Que processos ou instrumentos foram usados com esse propósito nos últimos séculos? É capaz de garantir que daqui a meio século, um século, dois séculos, o que seja, não entrarão em erupção vulcões em áreas onde hoje podem, por hipótese, estar a manifestar-se sintomas como o degelo ou onde aumentou a propensão para incêndios florestais e para a desertificação? Se, por hipótese, a atividade geológica do subsolo se revelar a variável mais significativa das alterações climáticas em curso, é possível intervir nas causas? Haverá diferenças substanciais em relação a fenómenos equiparáveis do passado?

Poder-se-ia continuar. Ainda que tudo isto seja especulativo, e ainda que a terminologia utilizada possa não ser a mais rigorosa, qualquer cabeça honesta não impõe certezas onde elas não existem, nem talvez algum dia possam existir. As dúvidas incontornáveis não são substituíveis por certezas dogmáticas ficcionadas, tal como se procedia em tempos e sociedades pré-racionais.

Mas é quase só isso que os atuais ambientalistas-progressistas conseguem garantir. Eles sofrem e propagam uma patologia mental que merece a dignidade de um nome, talvez doença da Amazónia. Quem sabe se não tem sido essa falha que tem travado os avanços terapêuticos de modo a evitar uma pandemia mental, se é que ainda vamos a tempo.