Há um artigo de Durão Barroso no Expresso, intitulado “O que temos de aprender com a covid-19”. E há um fenómeno que consiste na subversão do Princípio de Peter, segundo o qual cada indivíduo pode ser promovido até ao seu nível de incompetência. Neste fenómeno, bastante português e a que deveríamos chamar Princípio de Pedro (ou de Quim Zé, Tó Carlos ou Enzo Gonçalo), cada compatriota pode ser promovido muito para lá do seu nível de incompetência. Se a promoção for à escala internacional, a incompetência fica crescentemente escancarada. O caso clássico é o do eng. Guterres, que, após ter sido um primeiro-ministro embaraçoso, exibe-se em Nova Iorque a tocar a trombeta do Apocalipse e a prestar-se a um ridículo sem grandes precedentes desde que Joshua Norton se declarou Imperador dos EUA e Protector do México. O caso recente é o de Durão Barroso, que após uma passagem heróica pela Comissão Europeia e pela alta finança, hoje é apresentado enquanto “presidente do Conselho da Gavi, a Aliança para a Vacinação”.

No referido texto do Expresso, e ao contrário do secretário-geral da ONU, o dr. Durão não se limita a alertar a Terra, que infelizmente o desconhece, para o perigo das alterações climáticas. Não, senhor. O dr. Durão faz o pleno: “As alterações climáticas, a invasão humana dos habitats da vida selvagem, o crescimento da população, a urbanização e as viagens ‘low-cost’ fazem com que seja cada vez mais provável que enfrentemos pandemias mais devastadoras num futuro não muito distante.” O problema, pois, não é só o clima. É igualmente preocupante que o ser humano exista, procrie, tenha casa e viaje com excessiva facilidade. Por algum motivo, inacessível a incréus, todas estas calamidades conspiram para criar e propagar vírus mortais e, o que será ainda pior, entidades benfeitoras como a tal Gavi e cargos bem remunerados para sumidades da estirpe do dr. Durão.

Dado que o dr. Durão não dá o exemplo mediante suicídio, suspeita-se que a tese não abrange toda a espécie. Nós, os 99,99% da população mundial que não arranjamos empregos vistosos em instituições sombrias, é que estamos a mais, a danificar o planeta com a nossa teimosia em respirar. “Eles”, a elite esclarecida que labuta pelo bem-comum, é livre de nascer, multiplicar-se, morar em cidades, deslocar-se em jactos privados de modo a alertar para a ameaça dos combustíveis fósseis e, claro, invadir sem hesitações os habitats, que de resto continuariam repletos de selvagens.

“Selvagens” é o termo. Antigamente, com ou sem fundamento, esperava-se das elites arrogância e, se não fosse maçada, um pedacito de erudição. As elites actuais são compostas de arrogância e uns pozinhos de psicopatia. Dê por onde der, o objectivo passa sempre por condicionar-nos, empobrecer-nos e, idealmente, erradicar-nos. Para quê? Aparentemente, para nos salvar.

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Não sei se já disse que o dr. Durão preside a uma engenhoca público-privada dedicada à vacinação em massa da humanidade, em teoria uma ambição simpática e compreensível. O que não se compreende é tamanho empenho em ajudar a exacta humanidade que nitidamente se abomina. A que título se deseja evitar “pandemias devastadoras” quando a solução implica a devastação do homem (e das senhoras) tal como o conhecemos? Não faz sentido que, para conservar as padarias, se destruam os moletes, os croissants e as regueifas, logo é capaz de haver aqui uma história mal contada, e desconfio que o relativo domínio da língua evidenciado pelo dr. Durão não é o único culpado. Entrego o debate à consideração dos teóricos da conspiração.

Pela parte que me toca, interessa-me principalmente a tendência para que alguns portugueses em lugares de “prestígio” global transformem a suave mediocridade que revelavam cá dentro num festim de devaneios proféticos dignos dos vilões da Marvel, ou dos transtornados que, com uma sineta na mão, dantes berravam junto ao coreto da aldeia. Cá dentro, ninguém dava nada por eles. Lá fora, eles não dão nada por nós. Mal saem da fronteira, enfiam um ar majestático, olham-nos de cima e desatam a confidenciar-nos verdades a que apenas os eleitos acedem. À semelhança dos noticiários televisivos, o propósito é o de meter medo: começa-se por garantir a aproximação do Juízo Final, sob a forma de degelos, pestes ou gafanhotos; e depois prescreve-se a cura, que obriga a ralé a abdicar de todos os benefícios da modernidade e a recuar três ou quarenta séculos. A expressão “fim do mundo em cuecas” talvez advenha dos preparos em que nos querem deixar. Pessoa próxima a quem mencionei o artigo do dr. Durão interrompeu-me: “Outro maluco?”.

É de temer que não seja o último. A mesma edição do Expresso informa que num ano, Portugal, o imparável país do PS, do prof. Marcelo e da selecção de futebol feminino, “perdeu 128 mil trabalhadores com ensino superior”. Imagino que a vastíssima maioria dos emigrantes vá ao encontro de trabalhos dignos e um futuro decente. Porém, basta um ou dois descarrilar da cabecinha e arriscamos ter novos Guterres e Durões, criaturas desprovidas de préstimo a ocupar lugares ditos de relevo, pagos regiamente para nos assustarem com as toleimas da moda. A extrema-direita sonha proibir a entrada de estrangeiros, mas o avisado seria impedir a saída de nativos. Por mim, fechavam-se as fronteiras amanhã.