Intitulada, diversas vezes, por “neutralizadora do Atlântico Norte” ou “afronta ao atual sistema hegemónico”, a Organização para a Cooperação de Xangai, nos dias que se seguem, reunir-se-á em Nova Deli, dando continuidade à sequência das cimeiras entre os Estados-membros. O que se sabe, até agora, é que a reunião será efetuada via virtual, algo que não estava previsto. As razões, para já, são desconhecidas, mas assume-se algumas teses de imediato. Com a assumida presença dos países membros traduzindo-se na Índia, China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Tadjiquistão e Uzbequistão e, por acréscimo alguns observadores como a Mongólia, Irão e a Bielorrússia, pode-se concluir que a Cimeira será tensa, somando o facto de se tratar da Presidência da Índia na Organização.

Ora, com esta Presidência, iniciada em setembro de 2022, por sistema de rotatividade, adicionaram-se novas preocupações e objetivos a que a organização se teve (e continuará a ter) de ajustar e ter em conta na agenda. Ainda que, um dos pontos mais óbvios e concertantes da reunião se prenda com a Guerra da Ucrânia, é pouco verosímil que esta questão se torne o foco do encontro. A Índia, como potência promissora e relembrada como amante da promoção da paz e de posições neutrais fazendo jus à sua história, adotou o tema ‘Secure-SCO’, corroborando o seu compromisso com os objetivos mundiais que mais têm sido colocados em cima da mesa: multilateralismo, cooperação política, integração e dinamismo económico inclusive entre organizações, gerando intercâmbios, e a promoção da segurança. A segurança, para a Índia, ilustra uma das suas linhas de continuidade: a autonomia. Sempre subjacente à ambição. Desde cedo e na constituição das suas linhas fronteiriças, que a Índia ambiciona um lugar mais preponderante no cenário internacional, junto daquelas que hoje identificamos como potências do Sistema Internacional. Assim, esta luta não é recente. Advém, inclusive, da insatisfação indiana ao não receber um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas que, na sua ótica, não refletia o poderio, o potencial e a dimensão indiana.

Com estas duas bases (autonomia e ambição) nasce a Índia que hoje assistimos. Uma Índia disposta a alterar o equilíbrio de poder internacional, tanto em termos económicos como políticos, diplomáticos, militares e energéticos, exigindo desta forma uma disposição diferente e maior independência. O Sistema de Alianças a que a Índia pertence também não é por acaso. Sendo um país asiático com um sistema de alianças em gradual crescimento, a Índia tem procurado fomentar a sua hegemonia em países/zonas geopolíticas estratégicas, inclusive para demarcar-se da aliada China e promover a dualidade entre ambas. A pertença em várias organizações regionais, principalmente na Zona do Pacífico (económicas, ou não), como a Organização para a Cooperação de Xangai reflete, na perspetiva indiana, uma proatividade necessária do Estado que pretenda “liderar a zona do Pacífico”, assim como, um ponto favorável para no futuro se tornar uma potência bem mais preponderante e não, unicamente, regional.

Assim sendo, com toda esta contextualização indiana e a conjuntura global a que assistimos hoje, conseguimos demarcar alguns pontos que estarão na agenda indiana e que chamarão à atenção. Durante a sua Presidência, a Índia sediou dois eventos relacionados com a defesa regional essencialmente entre os Estados-Membros da organização. Este trabalho certamente será não só referido na reunião, como também será enfatizado colocando a Índia como potência promotora da paz, da segurança, e com nítidos objetivos de fortalecimento de laços locais.

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Inerente a essa questão, envolve-se o extremismo e o terrorismo, problemáticas que vão além-fronteiras e às quais nenhum Estado se encontra imune. Uma maior estabilidade interna leva a uma maior estabilidade regional e, uma maior estabilidade regional leva, com efeito e bons ares, a uma maior estabilidade internacional, da qual a Índia deseja ser intermediária. Ao contrário da China, que leva o seu envolvimento em fóruns desta natureza para a criação da novas Infraestruturas que conduzirão a China a um poderio económico (como a Nova Rota da Seda), a Índia utiliza estes protagonismos para fazer ver a sua estabilidade, comprometimento com agendas e constante crescimento em vários setores. O seu envolvimento e a existência de vários pontos comuns com outras agendas ocidentais, tanto de Estados, como de Instituições e organizações, refuta a tese de que deve ser dada uma oportunidade à Índia e que é essa a sua verdadeira intenção.

O tópico correspondente à economia também será certamente tocado, onde a Índia reunirá todas as suas energias em estimular o comércio regional, não como afronta a outras organizações económicas, mas sim como reflexo de independência, autonomia, autossuficiência e incentivo das relações inter-regionais asiáticas, como uma espécie de parceria.

De momento, a Índia tem nas suas mãos a presidência do G20 e da Organização para a Cooperação de Xangai. Um grande momento que não pode estragar com falsas pretensões. Estas duas visibilidades, se bem trabalhadas e desenvolvidas, darão à Índia uma capacidade de liderança ainda não conhecida pela Comunidade Internacional. Uma versão bastante benigna que certamente dará à Índia um maior posto na plataforma internacional. Assim, o fórum que se segue será olhado com bastante expectativa. Não só pela conjuntura de guerra a que assistimos e pela cordialidade existente entre Moscovo e Nova Deli (principalmente desde a retirada das tropas americanas no Afeganistão em 2021), mas, acima de tudo, pelo elefante que se encontra aqui patente: a ânsia indiana de preponderância.