Ficará para a história como exemplo da falta de cultura democrática dum primeiro-ministro em funções, e de um certo PS, a vocalização, numa entrevista à Visão, gravada em vídeo e replicada em todas as televisões e restantes meios de comunicação social, da referência aos “queques que guincham”.
António Costa proferiu esta boutade sem medir bem o que dizia, e até envolvendo-a num sorriso de evidente prazer e satisfação, porque talvez julgasse que desferia um golpe de génio, mortal, no partido que a situação mais teme.
Não percebo que imagem passou pela cabeça de António Costa naquele momento. Os mais jovens e urbanos talvez nunca tenham assistido a uma matança do porco, um costume que era frequente em Portugal, uma festa em que a família e convidados se reuniam para matar o porco que tinha passado 12 meses na engorda e era sacrificado nesse “ritual”, para alimentar a família durante o ano seguinte, com enchidos, carnes salgadas, etc.
Na matança do porco, os algozes espetam uma faca longa de dois gumes diretamente no coração do suíno que, perdoem-me a crueldade do relato, guincha desde o início do processo e enquanto se vai esvaindo em sangue até à sua morte, após a qual ainda lhe queimam a pele para ficar sem pelos e enrijecer o couro.
Não sei se foi com esta imagem que ocorreu ao primeiro-ministro a ideia dos guinchos. Se sim, devo dizer, foi a adequada. Enquanto familiares e amigos vão bebendo uns copos, estão em festa e se vão banqueteando com o que há, os porcos, que vivem enfiados numa pocilga, comem os restos e não têm perspetivas, são lembrados pelos “senhores” e levados à sua presença e “convívio” apenas para serem sangrados até à morte. Como a maioria da população portuguesa, que vive com fracas condições, vai apanhando as “migalhas” que os senhores vão distribuindo, e vai sendo lentamente sangrada até à morte, apenas para benefício dos mesmos, os algozes, os que têm a faca na mão.
Claro que os porcos guincham durante a sua própria matança. São guinchos pungentes, horríveis, incómodos, terríveis para quem os ouve. Os algozes preferiam que o porco que é sangrado até à morte não protestasse, não guinchasse, e se deixasse ir, docemente, sem protesto, a caminho do seu fim.
Mais valia o primeiro-ministro ter feito este paralelismo, dizer que a IL são “porcos que guincham”. Ficávamos todos mais esclarecidos. Percebíamos melhor o que queria dizer, e talvez até fosse aceitável, na perspetiva que acabo de dar.
Agora, “queques que guincham”? Ficamos sem perceber a quem se queria referir exatamente António Costa. Seria aos quase cinco por cento dos eleitores portugueses que se deram ao trabalho de sair do sofá e ir votar IL nas últimas legislativas? Mais de 273 mil portugueses? Seremos todos “queques”? Ou serão queques os mais de seis mil membros atuais do partido? Ou são apenas os oito deputados da Iniciativa Liberal, que foram tão democraticamente eleitos quanto os deputados do PS que dão a maioria ao Governo de António Costa? Quem são os “queques” a que se refere o primeiro-ministro?
Se ser “queque” significa ter recebido a educação necessária para nos sabermos comportar à altura das variadas circunstâncias com que nos deparamos na vida, saber conviver, de acordo com regras de boa educação, com qualquer pessoa, de qualquer estrato social, intelectual ou económico, respeitando-a e aceitando-a nas suas diferenças, sem atribuir uma qualquer etiqueta, sim, eu, membro da IL, sou, com muito orgulho, “queque”, porque felizmente recebi essa educação.
Mas gostava de informar o senhor primeiro-ministro que, na Iniciativa Liberal, tratamo-nos quase todos por tu, desde o primeiro contacto – incluindo os dirigentes nacionais do partido -, cumprimentamos as senhoras com dois beijinhos, e não só com um, às vezes, nas nossas conversas, dizemos alguns palavrões sem ruborizarmos. E, se podemos ter alguns “Bourbon e Linhaça” e quejandos (referência para fãs da série “por do sol”, da RTP), como o PS também tem, a maioria são Silvas e Santos e Costas, gente normalíssima, que trabalha e paga impostos e que está cansada de ser esbulhada dos frutos do seu trabalho e de um País que não dá aos seus cidadãos qualquer hipótese de prosperar com base no trabalho e no mérito.
António Costa sabe bem (todo o PS e, já agora, o PSD, também sabe) qual é o partido que faz, hoje, verdadeira oposição, qual é o único partido que ameaça o status quo e acabar com os privilégios do exército de boys e girls que está instalado no Estado e beneficia com a “situação”, que vai acabar com todos os interesses que vivem à sombra e à custa da coisa pública.
Esse partido não é o PSD, que é compagnon de route do PS na “situação “e a outra face da mesma moeda, não é o Chega, um epifenómeno unipessoal, populista, demagógico e inconsistente, que não passará disto, não é o CDS, que andou estes anos todos a sustentar a “situação” e está em vias de extinção, não são BE e PCP, que vão minguando à medida que as suas ideias ganham cada vez mais bolor. A verdadeira ameaça, a verdadeira alternativa, o verdadeiro combate de todos os situacionistas, é com a IL, a verdadeira corrente de ideias transformadoras, que vai mesmo mudar as mentalidades e o País.
E é por isso que António Costa fica nervoso e brinda os liberais com estes mimos. Por um lado, temos de lhe agradecer, porque apenas demonstra a sua soberba e a sua total falta de cultura democrática, de tolerância pela diferença e para com a oposição, e isso funciona a favor dos visados. Por outro, enquanto cidadão português, exijo mais e melhor do primeiro-ministro de Portugal e entendo que este tipo de atitudes e comportamentos é totalmente intolerável.
Tal como António Costa veio depois pedir desculpa a Carlos Moedas pela infelicíssima reação que teve pelo facto de não ter telefonado ao presidente da câmara Municipal de Lisboa durante as inundações, tem ainda margem – e só lhe ficava bem – para pedir desculpa aos liberais e à Iniciativa Liberal. Mas o melhor é esperarmos sentados. De preferência, numa pose um pouco mais adequada do que a da fotografia que fez capa da Visão.