Ao longo dos tempos, e de modo particular nos dias de hoje, aparecem cristianismos vagos que não se baseiam naquilo que o Cristianismo tem de específico. Se por um lado o core do Cristianismo é simples, ou ao alcance de uma criança, por outro contém uma complexidade que pode gerar repulsa.

Quando surgiu, em pleno Império Romano, ele apareceu como escândalo para os judeus e loucura para os gregos (I Cor 1, 18-25). Desde a sua emergência histórica o Cristianismo revelou aspectos que foram obstáculo a que fosse aceite por aqueles a quem era destinado. “A Luz veio ao mundo mas os homens preferiram as trevas”, lê-se no Prólogo de Evangelho de S. João. E hoje, em plena ditadura do poder da escolha, tão bem ilustrada pelos nossos jovens, é caso para indagar, o que preferimos?

Ao longo da história essa opção “redutora” foi recorrente. Todas as recusas do Cristianismo no seu core, deram lugar a diferentes versões que o enaltecem, ora como mensagem, ora como moral, ora como bandeira ideológica. Um cristianismo mutilado ou assim-assim, vegan ou light, de menu, de preferência servido no bom do santuário dos sofás, por glove ou zoom, a proscrever os templos e liturgias. Afinal Deus está em toda a parte! – como se dantes não fosse assim também…

São poucos os que o entendem como uma coisa do outro mundo para salvar este mundo. O único necessário.

Por um lado parece inadmissível que não se perceba a sua originalidade (não nos faltam os cultos e os inteligentes!). Por outro lado essa originalidade é tão brutal que desde cedo suscitou uma atitude de recusa, e percebe-se porquê. É muito simples. Um homem disse de si: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Cfr. Jo14, 6). Exceptuando-se o Cristianismo, todas as grandes religiões, pelos seus grandes mediadores, indicaram um caminho; em nenhuma delas alguém se afirma o caminho. Apenas o cristianismo apresenta tal pretensão.

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Apenas uma minoria aguenta a vertigem de reconhecer o Infinito no finito. É um escândalo: um homem como eu (e eu sei bem o que é ser humano) não pode ser Deus! E assim se arruma o Cristianismo, sem uma verificação apaixonada, integral e metódica da sua pretensão.

Soloviev, eminente pensador russo, pôs o dedo na ferida e deu-nos como poucos a essência do Cristianismo: o que há de mais querido no Cristianismo é o próprio Cristo e tudo o que dele provém (cfr. O seu livro O Anticristo), incluída portanto a Igreja como modalidade por Ele escolhida para a Sua permanência histórica.

Que Deus se fez um de nós, o Verbo fez-se Carne (Jo1,14), é uma verdade que faz parte da novidade do Cristianismo. Deus amou de tal modo o mundo que veio viver connosco. Habitou entre nós.

Deus está presente em tudo e, de modo especial, aqui e agora na Companhia que instituiu, a Igreja, que não é mera associação ou referência cultural. Ela é um Corpo, continuação histórica da presença de Cristo. Ela é algo encontrável, é Cristo.

Encontrável nos rostos daqueles que O seguem, uma presença carnal. Também encontrável no Pão da presença Eucarística, como reconhece S. Agostinho, no seu estilo inconfundível. Com efeito a páginas tantas das suas Confissões, Deus diz-lhe: “Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em Mim”. Ele não nos deixa à fome fazendo-nos pão uns dos outros, nos antípodas da sociedade líquida que definha pela ausência de laços vitais.

Que o Cristianismo tenha a sua marca na Carne é patente na sua História, na Ressurreição d´Aquele que estava morto e agora está vivo, em particular através do testemunho dos que acreditaram e seguiram, a começar pelos 12 apóstolos. A História mostra-nos milhares de homens e mulheres fortes, capazes de, à semelhança dos primeiros, dar o corpo à crucifixão – e não uma série de fracotes, uma rebanhada, como os chamou Nietzsche.

Há um ano, mais precisamente a 16 de Agostou de 2022, duas mulheres foram vítimas de uma emboscada, a irmã Maria Daniel Abut e a Irmã Regina Roba Luate, missionárias no Sudão Sul, mortas quando voltavam das comemorações do Centenário de Nossa Senhora da Assunção. É de estranhar que sendo este facto uma coisa deste mundo não tenha aparecido nos noticiários televisivos?