Por coincidência, um colaborador do «Observador», André Abrantes Amaral (A. A. A.), publicou há dias um artigo onde perguntava com razão «onde se meteu a esquerda liberal?». Não mencionou, porém, o artigo que publiquei na semana anterior a propósito da chegada de um partido Liberal ao nosso parlamento pela primeira vez em cem anos!
Escrevi então acerca da pouca fortuna histórica do liberalismo em Portugal, mas não deixei de aludir à formação de um «Clube da Esquerda Liberal» no qual participei e cuja curta actividade (1984-1987) mostrou quão longe estava o liberalismo – dito de «esquerda» ou de «direita» — da vida política nacional. Nessa altura, um dos fundadores do Clube, José Pacheco Pereira, sugeriu que este se designasse «Clube Liberal», mas a menção «de Esquerda» prevaleceu. Que é feito então da «esquerda liberal»?
No seu artigo, A. A. A. atribui a responsabilidade da sua desaparição à «esquerda» do PS. Talvez mas, para a história, fica o facto de apenas Pacheco Pereira, que apoiara Mário Soares às presidenciais de 1986, como a generalidade dos membros do «Clube», ter sido o único do grupo a candidatar-se em posição elegível na lista do PSD nas eleições de 1987, que levaram Cavaco Silva à sua primeira maioria absoluta e tornando-se primeiro-ministro dez anos seguidos. Outros membros do «Clube» votaram também em Cavaco, como eu, mas a maioria não sei. Praticamente todos seguimos o nosso caminho fora da política activa.
Para quem já era crítico do estatismo socialista, bem como do seu tribalismo partidário e da pouca abertura à modernidade, as posições tomadas há mais de trinta anos indicavam que o PS não era nem seria liberal em sentido forte. E se fora levado a aceitar a liberalização da economia graças ao «bloco central» de 1983-85, com Ernâni Lopes nas Finanças a gerir a segunda bancarrota depois do 25 de Abril, foi para permitir que Portugal entrasse na Comunidade Europeia a fim de proteger a nossa incipiente liberdade.
A aliança populista de esquerda inspirada pelo Presidente Eanes chegou a derrubar Cavaco Silva no parlamento em 1987 – quando o PS caíra sob a chefia de Vítor Constâncio, o qual já fôra responsável pela primeira bancarrota do regime em 1978 – mas foi detida pela decisão de dissolver o parlamento do novo PR, Mário Soares, sendo Cavaco Silva reconduzido pelo eleitorado que assim desfeiteou o «golpe do PRD». Cavaco, porém, tal como isso sucedeu no séc. XIX e início do séc. XX na Europa meridional, só era liberal no plano económico e sempre fez política de baixo para cima com a autoridade que as maiorias absolutas lhe concediam.
Esta vasta aprendizagem do sórdido realismo partidário que fomos forçados a fazer mostra à exaustão que a hegemonia dos dois partidos formados contra o PREC se baseou num liberalismo mais oportunista do que outra coisa: foi a liberalidade dos vencedores. De «esquerda» o PSD nunca teve nada e, para o PS, só existe «esquerda» quando precisa dos votos do BE e do PCP. Qualquer destes três últimos representa, unicamente, uma «esquerda» estatal mais clientelar do que ditada por qualquer participação cidadã.
Lembro ainda que o PS e o PSD nunca quiseram submeter a referendo as principais decisões que definem o regime político desde o 25 de Abril. Vivemos, em consequência, num eleitoralismo formal no qual boa parte dos cidadãos optou por não participar. De democrático, há apenas as eleições e um limitado pluralismo informativo. É muito pouco e pior que isso tem sido a crescente manipulação partidária do «welfare state», transformando os direitos sociais – na senda aberta pelo corporativismo do desemprego, doença e velhice – em benefícios concedidos pelo Estado aos desempregados, doentes e velhos impossibilitados de angariar recursos.
Com as suas práticas clientelares, os governos portugueses gastam proporcionalmente mais do que no resto da Europa com os funcionários públicos do que com os serviços que são pagos para prestar: passa-se isso com os impostos, assim como as pensões, os subsídios de desemprego e outras formas de assistência, transformando os recursos a que as pessoas têm direito por lei em benesses concedidas pelos donos do poder de olho nos votos a arrebanhar. A própria transferência promovida pelo Fisco entre cidadãos com maiores e menores rendimentos é opaca, ao contrário do que se faz lá fora.
Ao ponto a que chegou a manipulação ideológica dos critérios que diferenciariam a «esquerda» e a «direita», seja a nível dos recursos como dos costumes, interessam mais os factos do que esses sentimentos que pretendem subordinar a «igualdade» à «liberdade». Sem a última, a primeira não existe, por isso os «liberais de esquerda» preferem designá-la por EQUIDADE, tanto no que diz respeito aos recursos materiais como às aspirações imateriais.