Sou liberal e de direita. (Sendo de direita também serei conservador, o que pode ser complicado, embora não necessariamente contraditório). O ponto a realçar é que sou liberal e há dias, após mencionar que apanhei o metro para o Marquês, um conhecido lançou-me a farpa: “És liberal e andas de transportes públicos?”. Não passou de uma provocação sem sentido, mas que como tantas coisas sem sentido vai fazendo o seu caminho e por isso deve ser contrariado. E para mote de conversa até se aproveita.

“No taxation without representation.” À partida o slogan das 13 colónias norte-americanas, que não aceitavam pagar impostos que não tivessem sido previamente aprovados por estas, parece despropositado. No entanto, o passo para o ‘se pago impostos tenho tanto direito a utilizar os serviços do Estado quanto qualquer outro’ não é assim tão largo. Na verdade, numa democracia representativa, se os impostos devem ser aprovados por quem representa quem os paga, o direito de um cidadão utilizar os serviços que o Estado presta com o dinheiro adquirido por via desses mesmos impostos não pode depender das suas opiniões políticas.

A questão parece óbvia e consensual, mas torna-se mais complexa quando saímos dos transportes públicos e vamos para os empregos e a prestação de serviços. Como liberal procurei nunca trabalhar com o Estado. É certo que, sendo advogado, o Estado é figura inultrapassável em vários aspectos. Mas o ponto é que não é ao Estado que presto contas pelo sucesso ou insucesso do que faço. Como advogado, profissão que ainda encaro como a última verdadeiramente liberal, custar-me-ia trabalhar de outra forma. Mas nós não podemos ser todos advogados sob pena de a vida se tornar uma chatice medonha. Assim há quem, por exemplo, seja médico ou siga a carreira universitária e o faça numa universidade pública.

É costume a esquerda socialista atacar os liberais que são professores numa universidade pública por a sua vida profissional ser contrária à sua orientação política. Por ser até contraditória com o que ensinam nessas universidades. Neste ponto, a questão que seria óbvia e consensual torna-se discutível e controversa. O ataque é falacioso porque há muito que a maioria das universidades são públicas. Essa foi, aliás, uma das vitórias do socialismo: o ensino público estatizado. E sendo o Estado governado por socialistas (que ganham eleições por prometerem o que só podem cumprir se endividarem as gerações futuras que não podem votar contra eles) dizia eu, sendo o Estado governado por socialistas as universidades públicas seguem regras e programas de ensino estabelecidos por esses mesmos socialistas. Dominar as universidades foi meio-caminho andado para a esquerda socialista dominar as elites que perderam o sentido crítico que advém da análise e do pensamento intelectual.

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Por força de razão o mesmo se dirá de um político liberal. Se defende menos Estado por que motivo está no Parlamento? A questão surge a maioria das vezes de forma subliminar. O argumento por trás da mesma é hipócrita pois um liberal (seja de direita ou de esquerda) não defende menos Estado na política, mas na vida não política. Um liberal não retira a política do Estado, o que faz é limitar a política à gestão do Estado, à discussão, dentro do estado, dos assuntos essencialmente políticos. Os Parlamentos são, precisamente e por essa razão, um produto dos liberais, daí o “No taxation without representation”. Concluir que a presença de um liberal no Parlamento, ou numa Universidade pública contradiz aquilo em que acredita é tão só uma forma de impedir uma verdadeira discussão pública dentro desse mesmo Estado. É o que a esquerda socialista tem feito ao ponto de um liberal de esquerda se tornar num anátema.

É o que a esquerda socialista procura fazer quando PS, PCP, BE e PEV inicialmente pretenderam que os novos partidos, Iniciativa Liberal, Chega e Livre, não teriam tempo de intervenção no próximo debate quinzenal com o primeiro-ministro. A ideia era calar o IL e o Chega ao mesmo tempo que se resolvia a questão da gaguez de Joacine Katar Moreira. O alvo eram os deputados dos dois primeiros partidos a quem se retirava a intervenção parlamentar que os eleitores lhes quiseram conceder.

O exercício dos direitos numa democracia representativa não se limita a quem aprova e a quem paga impostos. Residem na existência humana, no sermos pessoas que pertencem a um país cuja identidade política é governada pelo Estado. Não há cidadãos de primeira nem de segunda. A igualdade, seja política ou económica, pressupõe liberdade, já que sem liberdade não há igualdade possível. O mote para a esquerda liberal é claro. Também parece óbvio e consensual, mas se dermos conta ao que a esquerda socialista diz percebemos bem que não, que é discutível e controverso.

Foi através de uma intolerância camuflada de boas intenções que a esquerda socialista destruiu a esquerda liberal. Pretende fazer o mesmo com a direita. A inexistência de uma esquerda liberal é estranha se tivermos em conta quem eram os mais liberais aquando do surgimento do liberalismo. Algo se perdeu. É de evitar que com a direita, por falta de clarividência, aconteça o mesmo.