Sem dúvida que o momento em que se publicam os rankings é sempre tempo de grandes reflexões, em que os mais satisfeitos com os resultados consideram que não há metodologia mais adequada para evidenciar o fruto do seu trabalho, e os menos satisfeitos apoucam as informações nele reveladas argumentando que não expressam a realidade muito heterogénea e complexa das escolas.
Tenho algumas vezes discorrido sobre o tema, mas, verdadeiramente, o que me preocupa não é tanto o resultado das escolas públicas ou privadas neste ranking, relacionado com os resultados das provas efetuadas pelos alunos que frequentam cursos científico-humanísticos, mas, antes, o desempenho das escolas profissionais, cuja avaliação também não está isenta de críticas, especialmente porque, em face da multiplicidade dos cursos, não é fácil encontrar o tal referencial universal.
Efetivamente o que, julgo, deveria interessar ao país e particularmente ao Ministério da Educação era saber se, antes de trabalhar os rankings e posicionar as escolas que ministram os cursos científico-humanísticos, discutindo quem está à frente e atrás, não deveríamos questionar o sistema de ensino, perguntando se os pais e os alunos sabem:
- Que uma fatia considerável de alunos encaminhados para os ditos cursos de “prosseguimento de estudos” nunca chega a entrar numa instituição de ensino superior e que, muitos dos que entram, nunca chegam a ser diplomados?
- Que Portugal apresenta uma taxa de escolaridade no ensino superior à média da União Europeia, que era de 40%, situando-se num patamar próximo dos 45% de diplomados?
- Que os cursos profissionais, tal como os cursos científico-humanísticos, permitem o prosseguimento de estudos nos politécnicos e nas Universidades?
- Que uma fatia crescente de alunos dos cursos profissionais já prossegue estudos, com assinalável êxito, fruto das competências adquiridas nos percursos qualificantes?
- Que são encaminhados 64% dos alunos para cursos Científico-humanísticos, ou seja, para “prosseguimento de estudos”, mas que cerca de um terço destes alunos ou, ainda no ensino secundário, desiste ou não termina os cursos?
- Que tem havido compromissos de uma aposta forte nos percursos qualificantes (cursos profissionais) que nesta altura é de termos 55% nessa fileira, mas não passamos do patamar dos 35%?
Tudo isto para dizer que é mais do que evidente que o sistema de ensino não está alinhado com as necessidades do tecido empresarial que precisa de cerca de dois terços de quadros intermédios e cerca de um terço de quadros superiores, mas não é este o panorama nacional.
Se olharmos para as estatísticas da educação, designadamente, as publicadas no “Portal Infoescolas”, constatamos a situação inversa à dos países mais desenvolvidos da União Europeia. Formamos mais quadros superiores e menos quadros intermédios havendo um manifesto desajuste face às necessidades do tecido económico e social. Pode dizer-se sem medo de errar que Portugal está na cauda da Europa no que se refere à frequência de alunos nos percursos qualificantes e as últimas estatísticas da educação dizem-nos que, no ano letivo 2019/2020 (ainda sem o efeito COVID) o número de alunos nos percursos qualificantes, em vez de subir para tentarmos alinhar com a União Europeia, ainda se assistiu a uma redução de quase mil alunos, ou seja, cerca de quarenta turmas em cursos profissionais comparativamente com o ano anterior.
Na altura em que tanto se verbaliza sobre o posicionamento das escolas que, supostamente, têm por missão cuidar da educação e formação dos nossos filhos e netos, constatamos, infelizmente, que muitas escolas demonstram estar mais interessadas em preencher horários aos professores e muito menos preocupados com o futuro de dezenas de milhares de jovens que são empurrados para percursos que conduzem à desqualificação e ao desemprego.
Quando dizem que na sociedade há uma ideia generalizada de rejeição dos percursos qualificantes eu pergunto, onde se reflete essa ideia? Se perguntarmos se alguém ouviu, nas televisões ou nas rádios ou leu nos jornais dizer mal dos cursos profissionais, ninguém vislumbra qualquer crítica, mas, antes pelo contrário, vemos eminentes pessoas elogiar o trabalho das escolas profissionais e referir que a aposta deveria ser maior e que o trabalho que desenvolvem é extremamente válido.
Se a opinião pública e publicada vai no sentido contrário ao que se diz nas escolas do ensino básico, que lançam as culpas em cima dos pais e encarregados de educação, importa saber quem está a alimentar essa pretensa rejeição e perguntar:
- Não serão os atores que gerem e trabalham nas escolas e que são os primeiros interessados em que os alunos se mantenham na escola ligados aos “cursos gerais”, em vez de cursos profissionais?
- Alguém acredita que os pais têm informação sobre as 21 áreas de formação que integram o Catálogo Nacional de Qualificações e que são eles que rejeitam todas as hipóteses, preferindo, escorreitamente, os “cursos gerais”?
- Alguém explica aos pais que um terço desses alunos nunca chega a ser diplomado pelo ensino superior?
- Alguém torna claro para os pais e alunos que, se não tirarem um curso superior, ficam apenas com o 12º ano, mas sem qualquer qualificação profissional?
- Alguém lhes explica que são estes os alunos que vão engrossar a fileira do desemprego jovem com os mais baixos salários?
- Alguém elucida os pais e os alunos que frequentam um curso que gostam, independentemente das trajetórias anteriores, têm grandes probabilidades de serem são alunos de sucesso?
- Alguém reclama dos SPO – Serviços de Psicologia e Orientação uma orientação escolar e vocacional que tenha em conta os centros de interesse dos alunos?
Estas são apenas algumas interrogações e inquietações e as respostas têm de ser dadas por quem decide politicamente e por quem tem a obrigação de informar e de os orientar vocacionalmente, colocando o interesse deles, das famílias e do tecido económico e social, em primeiro lugar.
Presidente da ANESPO — Associação Nacional de Escolas Profissionais
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.