As escolhas são difíceis mas, malgrado estarmos em presença de algo muito importante para a vida dos nossos jovens, parece haver pouca gente preocupada com isso.

Muitos pais e encarregados de educação apreciam muito as informações que lhes são veiculadas pelos educadores de infância quando os meninas e meninos frequentam a Creche e o Jardim de Infância. Valoram e ficam muito agradados com as mensagens que os educadores lhes vão transmitindo e retêm com agrado as evidências das habilidades e das propensões para determinadas componentes do saber primário que são guardadas religiosamente.

O tempo passa e, uma vez entrados no primeiro ciclo do ensino básico, logo, quer a Escola, quer os pais e encarregados de educação tendem a colocar a deteção das tendências vocacionais em segundo plano. Depois dos quatro anos do primeiro ciclo, os/as meninos/as passam para o segundo ciclo e deste para o terceiro ciclo, sendo cada vez mais evidente que se aproxima o tempo das grandes opções relativamente ao prosseguimento de estudos no ensino secundário, mas constata-se que o alheamento persiste e, em muitos casos, ainda se acentua.

Esta reflexão tem apenas o propósito de pôr em evidência o alheamento, durante largos períodos de tempo, por parte das famílias que deveriam estar mais atentas às tendências vocacionais dos seus educandos e as insuficiências, e mesmo incúria, das escolas do ensino básico e, particularmente, dos SPO – Serviços de Psicologia e Orientação, a quem é cometida a tarefa de orientação mas que, de uma forma geral, fazem simulacros de orientação normalmente e apenas no final do 9º ano.

Sublinho que a experiência de mais de trinta anos ligado ao ensino profissional nos ensina que a recolha sistemática de informação sobre as tendências vocacionais dos nossos jovens é fundamental para ajudar os pais e os alunos a desenhar os percursos de educação/formação no ensino secundário. Mais nos elucida a experiência que os alunos que frequentam um curso de que gostam são alunos assíduos, pontuais e com sucesso garantido no final dos ciclos educativos e formativos e, depois, no mundo do trabalho.

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Sabemos todos que estamos a falar de jovens com idades próximas dos quinze anos, com pais centrados nas atividades profissionais e nas dificuldades da vida, com pouco acesso à informação, mas isso não pode, nem deve, ser justificação para descuidar as questões da recolha de informação sobre as várias saídas profissionais e sobre as tendências vocacionais que começam a ser evidenciadas, como acima se refere, logo no Jardim de Infância.

Sabemos, no entanto, que os mais céticos sempre se agarrarão ao argumento de que os jovens nessas idades têm ainda pouca maturidade e que não sabem o que querem. Isso até pode ser verdade, mas é exatamente por isso que tem de se ter consciência de que é necessário fazer um percurso de deteção das tendências vocacionais desde cedo e o mais prolongadas no tempo possível.

Sabemos que esse trabalho deveria ser cometido às escolas básicas que, conjuntamente com os pais e encarregados de educação, deveriam ajudar os pais na difícil tarefa de tomar decisões e que isso deveria ser trabalhado não apenas no 9º ano, mas ao longo de, pelo menos, todo o terceiro ciclo.

Gostaria de referir que as práticas desenvolvidas por outras escolas noutros países da União Europeia elucidam-nos sobre o caminho a seguir nesta matéria. São conhecidas as práticas dos países do Norte da Europa que sinalizam as tendências vocacionais ao longo de todo o ensino básico. Sabemos todos que, mesmo com todas essas preocupações, há sempre um determinado grau de probabilidade de não dar certo. Sabemos que, se isso acontece nos países que têm essas preocupações, em Portugal, onde se tratam estas questões muito pela rama, só por milagre pode dar certo.

A reflexão que me proponho fazer sobre este assunto entronca nas alterações de paradigma que decorrem do Programa de Governo e do PRR onde a aposta no encaminhamento de jovens para as vertentes qualificantes ao nível do ensino secundário é muito evidente.

Efetivamente, prevê-se a curto prazo a criação dos 365 Centros Tecnológicos Especializados pressupostos no PRR, integrando um largo conjunto de itinerários de formação nas áreas da informática, indústrias, energias renováveis e digital e multimédia, envolvendo 20.000 alunos por ano, o que vai constituir um grande desafio para as escolas e para o Ministério da Educação que tem que assegurar o cumprimento deste objetivo perante a União Europeia e, para isso, imperativamente, tem que haver uma política muito séria em matéria de informação e orientação vocacional nas escolas.

Com esta aposta pretende-se, naturalmente, dar um contributo para a melhoria das qualificações dos jovens, e também dos adultos, em linha com as necessidades do tecido económico e social que, a nível europeu, se exprime numa escala com oito níveis de qualificação, crescentemente exigentes em termos de saberes e competências, aferidos muito em função da autonomia que se consegue emprestar à tomada de decisão e também da capacidade de reflexão sobre as mais diversas problemáticas.

Neste caso, os Centros Tecnológicos Especializados vão qualificar os jovens no nível intermédio, ou seja, o nível 4 de qualificação que é o que mais interessa às nossas empresas que, na sua maioria esmagadora, são micro, pequenas e médias empresas e que precisam essencialmente de quadros intermédios.

Para o sucesso desta empresa importa fazer uma quase revolução no que se refere aos percursos mais especializados de qualificação pois temos que passar a organizar a formação nos CTE, integrando e orientando os alunos para duas ou três turmas por área de formação, quando em muitos casos, na atualidade, temos apenas uma turma por área.

Esta mudança implica instar os SPO a fazer um efetivo trabalho de informação e orientação, as famílias a estar mais atentas às vocações dos educandos, os municípios a criar redes de transportes ajustados aos horários das escolas e as empresas a envolverem-se mais nos projetos educativos das escolas.

Esperemos que tudo se conjugue para que este desígnio venha a ser uma realidade.

Presidente da ANESPO – Associação Nacional de Escolas Profissionais

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.