À semelhança de Cameron, Renzi jogou tudo na sua popularidade percepcionada e arriscou um referendo sobre uma matéria estrutural num clima político volátil e de elevada incerteza.

À semelhança de Cameron, Renzi perdeu e foi forçado a demitir-se. Os referendos são nos dias que correm cada vez mais empreendimentos de alto risco para os governantes de países membros da União Europeia. O que nos diz provavelmente mais sobre o actual estado da UE do que sobre cada assunto especificamente referendado.

Que os eleitores votam com base em motivações e impulsos não necessariamente relacionados com os temas colocados a votação é uma realidade tão amplamente conhecida e estudada na ciência política como explorada no marketing político. O que é porventura distintivo no actual contexto da UE é que as suas contradições internas e pouca robustez institucional levam as elites dirigentes a tremerem perante toda e qualquer consulta popular.

Em termos substantivos, a proposta referendada por Renzi não primava propriamente pelas suas credenciais de democraticidade e representatividade. O sistema proposto por Renzi teria, caso tivesse sido aprovado pelos italianos, conduzido a uma substancial concentração de poder no partido vencedor, esvaziando em larga medida o complexo equilíbrio de poderes actualmente vigente em Itália. Teria também aproximado a Itália do modelo da Grécia que, como é sabido, não tem propriamente sido um modelo de estabilidade e boa governação.

A derrota de Renzi foi clara e pesada: quase 60% votaram contra a proposta de Renzi num referendo com um elevado nível de participação, que ficou acima de dois terços do total do eleitorado. Mas se a derrota de Renzi foi decisiva e inequívoca, o mesmo já não se pode dizer da leitura política que é possível extrair dos resultados, seja no contexto italiano ou no contexto europeu.

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Confirme explicado por Alberto Mingardi, o único ponto comum partilhado pela maioria dos eleitores que votaram “Não” foi o desejo de repudiar e afastar Renzi, que ainda assim reteve o apoio de cerca de 10 milhões de italianos. A vasta coligação anti-Renzi unificou-se em torno de um alvo claro e bem definido mas não possui um programa comum para aplicar em Itália, o que aliás torna a situação menos dramática para a União Europeia.

Acresce que a economia do Norte de Itália está demasiado integrada com a Europa Central e a economia do Sul de Itália está demasiado dependente de transferências para que a saída da UE (ou da zona euro) seja, pelo menos para já, um caminho apetecível. Ainda assim, como a história da Europa abundantemente evidencia, a economia não é tudo pelo que se movimentos populistas e demagógicos como o de Beppe Grillo continuarem a ganhar terreno sem serem eficazmente contrariados no plano das ideias mesmo os cenários mais improváveis podem tornar-se realidade.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa