Gosto do termo «novos media» porque nos engana a todos. Pelo menos, engana os mais desatentos. É uma nomenclatura que revela a arrogância de cada época – a da nossa época. Chegamos a uma fase em que a internet (e tudo o que ela comporta) ultrapassou a televisão. A televisão. Tudo é um «media novo» no momento do surgimento. Por vezes, os mais desatentos ignoram esse facto.
A dada altura da nossa vida em sociedade, a rádio foi o «media novo». Hoje em dia, ela é mais vezes desvalorizada do que valorizada. Quando as pessoas se referem à rádio, parece que o fazem sempre de acordo com um certo sentimento de pena, oriundo de um pensamento que reconhece uma importância passada, ao mesmo tempo que identifica um preciosismo atual.
A rádio é emocionante. A voz humana – apenas a voz humana – é emocionante. Essa sensação revela-se em vários momentos, mas o clímax dá-se em relatos de futebol.
Se alguns jogos são impróprios para cardíacos, a culpa tem de ser partilhada entre os intervenientes em campo e os locutores que, a partir do exterior, documentam o confronto desportivo ao vivo.
Sinto que apenas um jogo de futebol seguido pela rádio justifica todas as considerações, positivas e negativas, profundamente sul-americanas, de Eduardo Galeano. Para o uruguaio, a história do futebol era uma viagem triste do prazer ao dever. O que é facto, é que, a cada dia que passa, o futebol torna-se um bocadinho menos autêntico. E todos nós um bocadinho mais velhos. Os dias passam e deixamos de ser aquelas crianças que se maravilhavam com tudo o que acontecia dentro das quatro linhas pintadas com baldes de tinta branca. A culpa é, em parte, nossa; participamos no consumismo que corrompe o futebol. No entanto, não nos devemos sentir inteiramente responsáveis, porque não é fácil remar contra a maré das modas e dos costumes do mundo. A realidade é esta. O futebol mudou.
A maior parte das pessoas refugia-se na transmissão dos jogos pela rádio quando não tem outra opção. Ou está parado no trânsito, longe de casa, ou não tem internet suficiente para seguir a partida através do telemóvel.
O que é facto é que ver um jogo de futebol dá-nos muito mais garantias do que ouvir um relato de rádio. Na maior parte das situações, os nossos ouvidos enganam-nos. A bola parece encontrar-se na iminência de entrar dentro da baliza da nossa equipa, mas está a ser simplesmente trocada, de um lado para o outro, no meio-campo adversário. Os locutores de rádio pegam no nosso coração e, como um extremo-direito controla a bola, brincam com a nossa perceção da realidade e com todas as nossas crenças.
Os comentadores de rádio não têm qualquer problema em romper as paredes dos nossos ouvidos. Eles gritam, berram, respiram ferozmente, têm espasmos nervosos – e nós não os levamos a mal, nem os tomamos por loucos. Compreendemo-los. Sabemos que, se fôssemos nós, faríamos exatamente o mesmo.
Na rádio, todos os jogadores são bestiais e bestas. Na televisão, o fenómeno também ocorre, mas com muito menos intensidade. O relato de rádio é um sonho de criança, onde tudo é possível. A transmissão televisiva é meramente um retrato da realidade. Os locutores pegam nas ondas de rádio e elevam os jogadores a heróis, para depois os crucificarem sem misericórdia.
Nesses momentos, as colunas de som dos carros, presos em longas filas de trânsito à entrada e saída das cidades, transformam os jogadores em deuses, em entidades divinas. E nós, os ouvintes, acreditamos em todas estas histórias que os radialistas anciões nos contam, porque sabemos que eles têm o nosso coração nas mãos, que rebenta e explode em mil pedaços sempre que uma das equipas têm a ousadia de fazer GOOOOOOOOOOOOOOLO.