No passado dia de São José, 19 de Março, por feliz iniciativa do Papa Francisco, iniciou-se o Ano da Família. São Lucas diz que José era da casa e família do Rei David (Lc 1, 27) e São Mateus acrescenta que, quando se apercebeu que Maria, sua mulher, estava grávida de um filho que não era dele, resolveu repudiá-la secretamente porque, sendo justo, a não quis difamar (Mt 1, 19).
Infelizmente, o exemplo de caridade, justiça e dignidade desta família real não encontra paralelo em outras famílias reais, mesmo cristãs. Há muitos anos, a Princesa Diana deu uma entrevista em que, para além de referir a infidelidade conjugal do marido, também confidenciou as suas aventuras extramatrimoniais. Sem pretender julgar a memória da Princesa Diana, que deve ser respeitada, nem muito menos legitimar a ofensa de que foi vítima, é pertinente recordar que, em circunstâncias análogas, muitos cristãos foram heroicos, pois mantiveram-se fiéis ao seu compromisso matrimonial, não obstante a infidelidade do cônjuge, que pode legitimar a separação conjugal, mas não o adultério. São Paulo ensina que a caridade cristã “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo sofre” (1Cor 13, 7), mas o cônjuge inocente, sem contradizer o apóstolo, não deve abdicar do que, em justiça, a ele e aos filhos for devido.
Uma coisa é exigir aquilo a que se tem direito, outra é dar publicidade às faltas do cônjuge e pessoais. Não é preciso ser perito em protocolo para saber que, em caso algum, se fazem confidências íntimas na televisão, convertendo os pecados alheios e próprios num tristíssimo espectáculo mediático. O escândalo foi tanto mais vergonhoso quanto havia dois filhos menores e essas revelações prejudicaram a família e o país.
No dia seguinte à transmissão, pela televisão portuguesa, da escandalosa entrevista da Princesa Diana, um jornalista auscultou a opinião de alguns transeuntes. Por feliz coincidência, pediu um comentário a uma senhora que, pela sua família e educação, bem como por ser casada com um embaixador, ex-Chefe do Protocolo do Estado, estava particularmente habilitada para opinar sobre a matéria. Numa palavra, disse tudo o que havia a dizer sobre a entrevista: lamentável. Nem mais.
Este comentário lapidar também se aplica, na perfeição, à recente entrevista dos Duques de Sussex à famosa Oprah Winfrey, a quem confidenciaram, diante dos milhões de telespectadores norte-americanos e não só, os seus atritos com os membros da Família Real britânica. Como se não bastasse a infâmia, consta que foram principescamente pagos para prestarem este lindo serviço.
Há já algum tempo que se tinha percebido que havia algo de podre, não no reino da Dinamarca – embora o avô paterno de Harry tenha nascido Príncipe da Grécia e da Dinamarca – mas da Grã-Bretanha. Os Duques de Sussex, insatisfeitos com o papel secundário que lhes compete na Família Real britânica, por não serem herdeiros directos ao trono, decidiram deixar o Reino Unido, para ‘reinarem’ no novo mundo.
Não em vão Meghan Markle é norte-americana, como Wallis Simpson que, para casar com Eduardo VIII da Grã-Bretanha, tio-bisavô de Harry, o obrigou a abdicar, remetendo-o, como Duque de Windsor, a uma existência irrelevante. Como, pelos vistos, é sina das norte-americanas que casam (com s ou com ç?) príncipes ingleses, também a actual Duquesa de Sussex parece ter provocado a ruptura do seu marido com a família.
Não fica bem a quem pertence, por casamento, à Família Real inglesa, fazer, numa entrevista televisiva, comentários negativos sobre outros membros da realeza britânica. Também não é aceitável que, a agora Duquesa de Sussex, recorra aos meios de comunicação social, para insinuar que foi vítima de acusações racistas, por parentes do seu marido. Afinal de contas, é a família que a acolheu no seu seio, que lhe deu o título que tem e à qual, portanto, devia estar grata: noblesse oblige. Não é uma questão de raça, de etnia ou de condição social, mas de dignidade pessoal.
Apesar do casamento de sonho e da sua vida principesca, Meghan Markle foi queixar-se diante das câmaras da televisão norte-americana, lançando suspeitas que não especificou. Mesmo tendo esclarecido mais tarde, por intermédio da entrevistadora, que esses comentários, eventualmente racistas, não tinham procedido da Rainha, nem do Príncipe Filipe, deixou no ar insinuações que infamam os restantes membros da Família Real, a começar pelos mais próximos do trono: o Príncipe Carlos e o seu filho primogénito, o Príncipe William, que um dia deverão suceder, por esta ordem, à actual monarca.
A lacrimejante Duquesa de Sussex não convence, por mais que se arme em vítima dos supostos maus-tratos da Família Real, qual madrasta da gata borralheira. Lembra a chorosa Greta Thunberg, que também gosta de se vitimizar à frente das câmaras de televisão, acusando meio mundo de ter poluído o ‘seu’ planeta… Claro que uma jovem sueca, a quem não falta nada e se passeia pelo mundo, em vez de estudar ou trabalhar, não é nenhuma desgraçadinha, sobretudo se comparada com as raparigas da sua idade na Síria, no Sudão, na China, na Coreia do Norte, etc. O mesmo se diga da Duquesa de Sussex quando vai, na insignificante companhia do marido, choramingar para o show da sua amiga, a bilionária Oprah Winfrey. É verdade que é actriz, mas é de muito mau gosto esta comédia em que, ao contrário da Cinderela, o pezinho de Meghan Markle não cabe, nem sequer com calçadeira real, no sapatinho de veludo da Duquesa de Sussex…
Este triste folhetim, de pouca importância real, mas muita relevância mediática, não mereceria menção se não fosse o Ano da Família. Quem não vive para servir, não serve para viver. Ser cristão, como ser membro de uma família real – todos os fiéis são, pelo Baptismo, filhos de Deus! – é uma honra e, sobretudo, uma exigência de serviço, para além de qualquer protagonismo pessoal. Por isso, Jesus de Nazaré, sendo o Rei dos reis e o Senhor dos senhores (Ap 19, 16), não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10, 45) e o seu representante na terra, o Papa, é o servo dos servos de Deus.
As famílias cristãs devem ser imagem e semelhança da Sagrada Família, a família real de Jesus, Maria e José. Se as famílias reais querem ser iguais às outras, sejam-no também nos seus direitos; mas se, pelo contrário, gozam de mais privilégios, é de justiça que tenham também mais obrigações. Se uma família não é uma referência ética, não é realmente cristã, nem real. Como em Nazaré, a família que é a primeira na honra, que o seja também na virtude. Na Igreja, todas as famílias realmente cristãs são reais, com aquela realeza maior que é, numa palavra, serviço.