Parece que acaba de acontecer ao novo concorrente à chefia do PS, António Costa, algo de equivalente ao que o Tribunal Constitucional pretendeu fazer às decisões orçamentais do governo. As regras estatutárias do PS, que a esmagadora maioria dos Portugueses, incluindo, estou certo, os militantes do PS com as quotas em dia, ignora totalmente quais sejam, proíbem a realização do congresso extraordinário pedido pelo “challenger” de António José Seguro. Segundo descobriu o “conselho de jurisdição”, parece que só um congresso normal é que pode eleger o líder do partido, coisa que um político tão batido como António Costa, membro do partido há 40 anos, secretário de Estado e ministro durante perto de 10 anos e presidente da câmara da capital do país há mais de sete anos, aparentemente desconhecia.
Continuamos presos nos fios paralisantes dessa burocracia jurídica que nos faz viver sob regras e estatutos que não só ninguém conhece como são descobertos à última da hora para impedir que sejam introduzidas as mudanças que a vida revele serem necessárias. Não estou a dizer se apoio ou deixo de apoiar a candidatura do presidente da Câmara. Aliás, não tenho direito de voto nessa matéria. Em contrapartida, como qualquer telespectador ou leitor dos jornais, sei de fonte limpa que António Costa é, neste momento, o candidato a primeiro-ministro preferido pelo maioria dos eleitores do PS e da esquerda em geral, pois estão convencidos que ele teria muito mais probabilidades de derrotar Passos Coelho nas próximas eleições legislativas do que António José Seguro.
Ora bem, apesar do que proclamam as sondagens, assim como a maioria dos meios de comunicação social vaticina, em especial os programas de debates partidários em que o próprio presidente da Câmara de Lisboa participa, parece que este vai ter bastante mais dificuldades em chegar à liderança do PS do que se julgava. Levará tempo e o resultado do processo é cada vez menos certo. Daqui até lá, coisas mudarão, não se sabe se para melhor ou pior. As probabilidades de os partidos do governo, aliados ou separados, recuperarem nas sondagens não são impossíveis.
Entretanto, o sentimento de desagrado e de impotência das falanges de apoiantes do candidato a canditato, se assim nos podemos exprimir, cresce e divide as hostes da oposição ao governo. Este, se entretanto não se dividir e se a economia não piorar, irá contabilizando intenções de voto a seu favor enquanto muitos eleitores do PS e das suas franjas se cansarão de esperar. Mesmo sem irem ao ponto de se virar para o actual primeiro-ministro, arriscam-se a optar pela abstenção, aumentando proporcionalmente a votação governamental, ou a votar em pequenos partidos que não elegem quase ninguém na maioria dos círculos eleitorais.
Seja como for, a paralisia burocrática dos escassos milhares de membros do PS não poderá deixar de prejudicar o partido e a própria imagem, como se costuma dizer, dos seus dirigentes, incluindo o próprio Costa. E há quem comece a perguntar por que motivo só agora ele deu sinal de vida e por que razão não ponderou em devido tempo as regras estatutárias a que, aparentemente, estará obrigado por esse tal “conselho de jurisdição”? Os eleitores e os próprios opinadores, geralmente favoráveis à sua candidatura, perguntar-se-ão todavia por que bizarras e tardias razões um número ínfimo de pessoas inteiramente desconhecidas do comum da população surge agora com um argumento burocrático destes?
Obviamente que isso só aumentará o descrédito dos partidos, no caso o PS, e só poderá contribuir para quebrar o ímpeto que a candidatura de António Costa tinha ganho em poucas semanas de cobertura comunicacional. António José Seguro não seria humano se não se regozijasse secretamente com essa quebra de ímpeto do seu concorrente. Note-se que, nesta altura do conflito, os antigos aliados do PS já não são meros concorrentes. Transformaram-se em adversários e isso não é salutar para congregar votos. Foi assim que os adversários de Costa no PS já fizeram saber que o presidente da câmara de Lisboa perdeu mais votos do que a média do PS em relação aos que se tinham mobilizado nas autárquicas…
Entretanto, as figuras do PS apoiantes de um ou de outro mas que têm pretensões a ser eleitos para o parlamento ora declaram publicamente o apoio, como os actuais deputados indigitados por Sócrates em 2009, ou se calam bem calados antes de serem elaboradas as listas de candidatos à Assembleia da República. Tudo hábitos partidários que o eleitorado conhece bem de mais e que não deixará de sancionar na hora do voto, seja no PS ou em qualquer outro partido, salvo talvez os indefectíveis do PCP. Neste momento, com as notícias que se vão acumulando, ambos os candidatos à liderança do PR já se estão com certeza a ser atingidos por esse justificado cepticismo. Por outras palavras, haverá já muita gente a pensar que o conflito entre Costa e Seguro fará perder votos a qualquer deles na hora da verdade, como de resto as sondagens já insinuam.