1 A Modernidade e o Diálogo Concorrencial

A modernidade dos Estados não se conquista pela simples utilização dos novos chavões tais como “ transição digital”, mas sim pela adoção dos modernos instrumentos das políticas públicas, muito especialmente no domínio da contratação pública a qual é essencial para modernizar o país, bem utilizar os fundos comunitários e incentivar o desenvolvimento económico pois, no caso de Portugal, os mercados públicos correspondem a mais de 16% do PIB e cerca de 60% das empresas dependem dos compradores públicos.

Ora um dos mais difíceis desafios é o de bem contratar soluções tecnológicas evitando os estafados e repetidos contratos por convite com cadernos de encargos baseados em catálogos conhecidos de empresas ou marcas anulando a concorrência, a transparência e prejudicando o desejável “Value for Money”.

A boa notícia é que desde 2004, as Diretivas europeias incluíram um procedimento especialmente desenhado para facilitar a comparação entre opções e conceções alternativas oferecidas por operadores económicos qualificados , o Diálogo Concorrencial. Na verdade, este procedimento é aberto como procedimento concorrencial sem se basear em caderno de encargos mas sim em documento especificando os objetivos, as exigências e as restrições a satisfazer pela solução a contratar convidando-se os qualificados a oferecerem a sua melhor alternativa, após o que a entidade adjudicante escolherá aquela que lhe parecer melhor e ao que se seguirá concurso público na base de tal solução escolhida. A segunda boa notícia é que este procedimento foi melhorado pelas Diretivas de 2014 e que a sua transposição para o nosso ordenamento jurídico foi corretamente feita pelo atual Código dos Contratos Públicos.

A má notícia é que este procedimento tem sido ignorado pelo nosso poder político e pelas entidades responsáveis por complexa e dispendiosa contratação tecnológica desde a Saúde à Administração Interna e à Justiça

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2 O SIRESP e a não Concorrência

Ninguém duvida da importância nacional mas também da diversidade e complexidade de opções tecnológicas inerentes aos desafios protagonizados pelo SIRESP as quais, aliás, foram ilustradas por estudos e propostas bem diferentes. Consequentemente, tudo indicaria que seria um caso exemplar para aplicação do Diálogo Concorrencial. Todavia, a experiência tem mostrado, pelo contrário, a preferência por soluções baseadas na contratação por convite evitando a concorrência e agora é publicado o Decreto-Lei 34-B/2021 de 14 de Maio que considera no seu Artigo 3º-2 que os contratos relativos à “conceção, fornecimento, instalação, operação, manutenção, modernização e à ampliação operacional e tecnológica da rede SIRESP “estarão excluídos da aplicação do Código dos Contratos Públicos por serem considerados “secretos” o que suscita fundadas dúvidas em relação a muitos deles, até pelo que a Diretiva estabelece no seu Artigo 15º. Ou seja, tudo parece indicar que se pretende fundamentar a adoção de procedimentos não concorrenciais e baseados nos conhecidos convites.

Aliás, em alternativa ao secretismo, a outra justificação para não concorrência seria a de os contratos responderem a necessidades imprevisíveis, mas tal também seria difícil pois , ao longo de milhões de anos, após o Inverno e a Primavera, chega o Verão, pelo que haveria de acautelar o desenvolvimento das soluções para o SIRESP nos meses passados.

3 Os Próximos Episódios

Não surpreenderá que o 2º episódio venha a ser a relutância do Tribunal de Contas em visar eventuais contratos e, ou a existência de ações judiciais de interessados, levantando-se dúvidas sobre tanto secretismo generalizado.

Então, teremos o 3º episódio que já integrou novelas anteriores com protagonistas semelhantes: vasta operação mediática incluindo a sociedade civil (bombeiros, etc) que irão culpabilizar o Tribunal de Contas por fazer perigar o país pois estava tudo a correr tão bem e eis que as dúvidas levantadas ou impugnações requeridas tudo irão atrasar.

Segue-se então o 4º episódio em que, compreensivelmente, este Tribunal será sensível ao interesse público em causa e, por certo, de forma condicionada e restringida, não inviabilizará a contratação embora talvez limitando a sua duração.

Em suma, não se terão comparado as opções possíveis, não se terá garantido a melhor escolha e não se terão otimizado os custos até porque as tecnologias em causa têm vindo a reduzir de preço pelo que a divulgada generosidade de prometer não aumentar o preço pode ser pouco convincente.

Resumindo, o caso do SIRESP, importante pelo seu interesse público e dispendioso pelo seu custo, leva o autor a acreditar cada vez mais no princípio da concorrência o qual é tão essencial ao tratado da União Europeia mas tão ausente da nossa cultura política e na importância de ter políticas públicas modernas e não apenas salpicadas pelos chavões da moda.