Vivemos momentos complexos e desafiantes para o Homo sapiens sapiens. Já existiu um tempo no nosso processo evolutivo em que se honrava a “palavra”. A “palavra” tem a sua origem etimológica no latim parabole e existem múltiplas utilizações para “ela”. Para muitos estudiosos a palavra foi o veículo que nos fez evoluir enquanto espécie (Yuval Noah Harari no seu livro Sapiens – História Breve da Humanidade), que nos permitiu inclusive prosperar e agregar valor transformando pequenas comunidades em sociedades cada vez mais complexas.

Não querendo correr o risco de ser “saudosista”, infelizmente, constato que se perdeu o valor dado à “palavra”. O que é isto do valor da palavra? A palavra tem múltiplas utilizações e pode vincular-nos a algo de forma irremediável. E hoje sabemos que o valor atribuído à “palavra dada” é irrelevante, ou seja, não nos vincula a qualquer tipo de compromisso. Entenda-se a “palavra dada” como o compromisso assumido por uma “pessoa de bem” e à qual se vincula automaticamente a cumprir o compromisso verbal assumido.

É isso que se espera do ponto de vista ético e moral de um ser humano bem formado. Porque, a base da nossa sociedade assenta em valores como a confiança e o respeito. Existiram períodos da nossa história em que a palavra dada era tão forte e válida como uma qualquer assinatura digital ou escrita exigida nos nossos dias, para firmar um qualquer contrato. Existem inclusive algumas expressões populares que confirmam o valor dado à “palavra dada”: “eu sou um homem de palavra”. Contudo, eu prefiro utilizar uma expressão mais abrangente (por razões óbvias) “eu sou uma Pessoa de palavra” muito mais adequada aos nossos dias e adaptada às novas tendências. Mas, a expressão popular que melhor ilustra o prepósito da “palavra dada” é:  a “palavra dada é palavra honrada”.

É vital honrar a palavra porque a sabedoria do povo profundamente consubstanciada na memória coletiva assim o diz. Existem múltiplos documentos históricos, obras literárias e tratados entre povos que consubstanciam e enaltecem a beleza, a nobreza e o valor atribuído à “palavra dada” pelo indivíduo. Contudo, existem múltiplos registos passados e presentes (e, talvez futuros) que emergem da “falta dela”, ou seja, da “falta de palavra” que tem entre muitas consequências: 1) guerras, 2) fome, 3) crises governamentais, 4) golpes de Estado, 5) movimentos extremistas, 6) instabilidade económica, 7) desemprego, 8) crises sociais e 9) roturas familiares. Todos estes fenómenos sociais diretos e indiretos refletem a falta de valores com que nos deparamos sistematicamente e, se tem vindo a agravar nos nossos dias.

É vital compreender o impacto das nossas ações na vida das outras pessoas, porque aumentam os níveis de stress e ansiedade pela incerteza que geram nas relações que se estabelecem nos vários contextos. Não é normal, não é adequado e reflete uma transformação dos valores basilares que nos permitiram evoluir como espécie e estão a limitar a nossa capacidade evolutiva. Temos múltiplos fóruns em que a “falta de palavra” já é entendida como “uma coisa” normal: na política, nas organizações, nas redes sociais, nas associações, nas relações entre colegas, nas relações de amizade, nas relações conjugais, nas relações entre pais e filhos. Toda esta deturpação da realidade tem um impacto profundo nas pessoas, nas famílias e na sociedade e permite a proliferação de inúmeras doenças do fórum mental.

Temos vários pensadores como Gilles Lipovetsky que escreveu, em 1983, A Era do Vazio, um ensaio sobre o individualismo contemporâneo e, posteriormente Byung-Chul Han que escreveu, em 2014, A Sociedade do Cansaço, e, em 2024, escreve A Crise da Narração, e que apontam cenários muito pessimistas, acreditam que vivemos uma crise de valores sem precedentes. Eu acredito, com todas as forças do meu ser que a confiança é fundamental e a história da humanidade reflete esta necessidade de reforçar os valores fundamentais como: respeitar a “palavra dada”, ser honesto e ter carácter (entre tantos outros que já caíram em desuso). A palavra é a chave para a nossa civilização continuar a prosperar e garantir que as gerações que nos sucedem vão beber a fontes integras de informação e, que repliquem socialmente comportamentos que reflitam os modelos sociais mais robustos e adequados que nos permitam continuar a evoluir como humanidade.

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