Os governos portugueses não conseguem deixar de intervir na economia. Mesmo quando dizem que não, não conseguem.  Nem podem. E não me refiro apenas à multidão de institutos públicos que servem apenas para atrapalhar a economia, nem às muitas empresas públicas cuja justificação é cada vez mais ridícula.

Vejamos.

O pretexto para os institutos públicos da área económica, tirando algumas evidentes excepções cuja presença é indispensável, é apenas esta: servem para dar emprego a amigos e clientes e para albergar políticos desocupados. A legislação sobre os institutos públicos lá exige uma justificação para a respectiva criação mas em termos tão vagos que tudo fica na mesma.

O mesmo se diga das empresas públicas. Para estas reservam os sucessivos governos um alibi adicional. Seriam «estratégicas» para a economia. A justificação visa ocultar os défices que geram e os compadrios que albergam. Veja-se o caso da TAP. Uma empresa só é estratégica se funcionar bem e gerar lucros. A TAP devia era garantir o acesso ao nosso país em condições que não onerem o contribuinte português. Só assim é que seria estratégica. Manter artificialmente em actividade uma empresa à custa do contribuinte a pretexto que é «estratégica», é completamente ridículo e só se justifica por preconceito ideológico ou, mais prosaicamente, para garantir cargos de direcção a amigos e acólitos (consta que na TAP há mais de oitenta directores ou seja, em maior número do que os aviões de que dispõe).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outro argumento a favor das empresas públicas que os governos usam é a sua contribuição para a manutenção da «soberania» nacional. Não nos façam rir. A soberania não sofre com o capital estrangeiro. Não conheço países mais soberanos do que o Reino Unido e a Suíça, e nestes todas as principais empresas não estão nas mãos de nacionais. O facto de o director das principais empresas portuguesas se chamar eventualmente Hernandez em vez de Fernandes ou Clark Kent em vez de Costa não empobreceria a nossa soberania nem prejudicaria os clientes e utentes. O estafado argumento da soberania era utilizado por Cunhal para esconjurar o perigo do «imperialismo» yankee. Claro está que se o capital viesse da URSS ou da antiga Alemanha comunista seria bem-vindo porque era a prova da «solidariedade» entre os povos. A teoria do «imperialismo» foi uma farsa do saudoso Lenine, preocupado que estava com a possibilidade de os capitais estrangeiros nas empresas russas favorecerem os salários dos trabalhadores e os poderem afastar do catecismo dos camaradas bolcheviques.

O intervencionismo do governo na economia chegou também, como não podia deixar de ser, às entidades reguladoras das actividades económicas, ditas eufemisticamente «independentes». São boas sinecuras para as mulheres dos ministros que são obrigados e demitir-se e para premiar outras fidelidades partidárias. A desgovernamentalização das entidades reguladoras da economia, que se verifica em todos os países europeus, nunca chegará ao nosso país.

A nomeação governamental serve para premiar parentescos e compadrios e ao mesmo tempo impede a eficiência na gestão das empresas e na regulação das actividades empresariais. E a explicação é muito simples; se foi o governo a nomear os directores, correr com eles é dar parte de fraco. É admitir que se enganou o que tem custos políticos caros. Os contratos de gestão que se celebram agora, obrigatoriamente em certos casos, entre os gestores das empresas públicas e o governo servem apenas para lhe salvar a face. São tão vagos e incertos que nada resolvem e não premeiam os mais capazes, pelo contrário. É que celebrar um contrato destes com um protegido do governo é o mesmo que nada. Nunca o governo utilizará qualquer cláusula contratual para correr com o gestor porque, afinal, só se desacredita a si mesmo. Tanto assim é que nunca aconteceu.

Obviamente que os governos portugueses nunca quererão moralizar o acesso aos cargos directivos das empresas públicas e das entidades reguladoras. E, no entanto, podiam fazê-lo. Bastaria importar para o nosso país as soluções lá de fora. A figura do concurso público seria o caminho a seguir. Mas nem falar disso é bom neste país. Os governos têm de acudir a parentes necessitados, a enteados e a amigos.

Imagine-se que aquele maldito concurso público viria garantir aos escolhidos um mandato para 7 ou 8 anos, como no Reino Unido, a continuar depois das mudanças governamentais. Mas que pouca vergonha! Então e os nossos familiares e amigos, tão ansiosamente à espera da nomeação depois de o governo mudar? Coitados. É que só neles é que podemos ter confiança e, se não são competentes, acabarão por sê-lo sob a sábia e amiga superintendência do ministro que os nomeou. Escolher pessoas competentes depois de um concurso público? Que pesadelo. Não seria assim que se garantia o «bom desempenho» das empresas públicas nem a «credibilidade» das mesmas, alicerçadas nas «boas práticas» que lhes superiormente seriam transmitidas pelos iluminados ministros competentes.

Mas não é apenas através dos concursos públicos para preenchimento dos lugares de direcção das empresas e serviços públicos económicos que as coisas poderiam melhorar em prol dos consumidores e utentes. A figura da concessão a privados da gestão das empresas e serviços, apesar de legalmente prevista, poderia ser utilizada com o maior proveito de modo a afastar os gestores públicos e diminuir despesas orçamentais. Mas os sucessivos governos nem querem ouvir falar disto. Bem se percebe porquê.

A total falta de sentido de Estado dos políticos que medram neste país e o desrespeito que votam uns aos outros é consequência desta situação. Não se está na política apenas para fazer política. É a sobrevivência do agregado familiar e da roda de conhecimentos que está em causa. O assunto é muito sério. Não se pode condescender.

A intervenção governamental na economia é, no nosso país, o pretexto para facilitar a vida a uma classe política que se mantém no poder há décadas e que impede o acesso aos mais competentes e capazes. Toda a gente sabe disso. Está protegida por compadrios, hábitos e legislação em conformidade. O seu objectivo é perpetuar no poder uma classe de políticos (e seus próximos) que começou cedo a fazer carreira, progrediu nos partidos e desconhece, consequentemente, a sociedade civil que o rodeia. Esta é, aliás, o seu único inimigo e o seu pior pesadelo. Como a não consegue controlar, evita-a e prejudica-a quanto pode.

O intervencionismo do governo na economia é uma característica endémica do modelo económico no nosso país. Alimenta-se de fidelidades partidárias e de relações pessoais. As duas razões expostas são complementares porque o objectivo é o mesmo.

O intervencionismo governamental nunca terminará. Pelo contrário, vai agravar-se de uma maneira ou de outra. Não tem limites a imaginação que os governos portugueses têm para controlar a actividade empresarial do governo e de outras pessoas colectivas públicas e dela se aproveitar. Tudo serve. Os meios são directos e indirectos, lícitos ou ilícitos, institucionais e pessoais. Os governos não vão perder as boas oportunidades que tal controlo possibilita. Se já pesa alguma dissuasão contra o puro e simples crime, há ainda muito a esperar de práticas que não sendo, porventura, ilícitas de um ponto de vista jurídico, são condenáveis de um ponto de vista moral, coisa que em nada demove os membros do governo e os altos quadros da administração pública portuguesa.

E assim continuamos no reino da mentira, das aparências e da irresponsabilidade. O que é preciso compreender bem é que reformar a intervenção do governo na economia neste país não é de modo nenhum uma questão de eficiência económica ou de melhoria da qualidade dos serviços. É uma questão política da maior relevância que passa pela sobrevivência e bem-estar da classe política que temos.