Tenho a impressão que vivemos numa sociedade que vai andando de manobra política em manobra política, que vive iludida e aturdida por manobras de comunicação políticas. Deixo dois exemplos recentes que nos afetaram diretamente cá em casa. Sei que ambas as manobras já foram muito discutidas e comentadas, mas não podia deixar de partilhar o que vivemos cá em casa.
Manobra 1: a mesada do Pai Costa!
Julgo que as semanadas ou mesadas sempre tiveram como grande objetivo a pedagogia de se aprender a ter e a gerir dinheiro. Quanto mais cedo se aprender melhor, pois hábitos de poupança, de não fazer gastos por impulso ou que não são necessários, de se aprender a gerir os imprevistos (custos não programados), entre outros, são tudo boas práticas que, se aplicados durante a vida, poderão fazer com que tenhamos uma vida “vivida”, e não uma vida de sobrevivência. Sei que estou a simplificar demais, mas fica a ideia que quero passar.
Ainda que pouco, uma mesada, como o próprio nome indica, é paga mensalmente. Isso traz, a quem a recebe, a responsabilidade de regularmente (mensalmente) fazer com que este dinheiro dure ao longo de um mês, prevendo os custos que terá e gerindo de acordo com esses mesmos custos. Cá em casa temos feito o exercício de pensar sobre esta mesada que o Pai Costa vai “dar” em Outubro. Somos dois adultos e temos duas filhas, logo vamos receber por cada adulto 125 euros e por cada criança 50 euros. Vá lá, ao menos vamos receber, porque até pensei que com os nossos ordenados não seríamos elegíveis, pois somos sempre considerados pelas políticas fiscais deste país como extremamente ricos.
Vamos receber a loucura de 350 euros Numa primeira análise, receber 350 euros sem fazer nada parece alguma coisa, mas não devemos avaliar este número de forma simples.
Se pensarmos num formato mesada, e dividirmos este valor por 12 meses, vamos receber por cada mês 29.16 euros para complementar o nosso orçamento familiar. Tenhamos em conta um custo médio mensal do nosso agregado familiar de 2000 euros (pode parecer muito, mas a viver em Lisboa e com duas mensalidades de creche, mesmo sendo numa IPSS, estamos a falar de um custo baixo).
Se pensarmos que a mesada de 29.16 euros que o Pai Costa nos vai dar cá em casa representa pouco menos de 1.5% dos 2000 euros mensais de custo que temos, só podemos estar perante uma manobra política e de comunicação. Acontece que este ano a previsão da inflação se encontra nos 6.6%, bem longe dos 1.5% da mesada que vamos receber. Onde está a pedagogia desta mesada? Como vamos “gerir” esta mesada? Acontece que uma mesada para ser pedagógica tem que ser realista e justa em relação aos custos que quem recebe a mesada tem. Talvez a única aprendizagem que se possa retirar daqui venha da sabedoria popular, “aprender a fazer omeletes sem ovos”. Infelizmente, nós portugueses, estamos a tornar-nos rapidamente doutorados na matéria das “omeletes sem ovos”! Aliás, somos reconhecidos lá fora por sermos muito bons a desenrascar. Penso que devemos agradecer ao Pai Costa, e aos outros Pais anteriores, porque sem eles nunca teríamos este conhecimento e capacidade.
Manobra 2: As creches gratuitas
O Pai Costa, que tem sido sempre muito presente e ativo nas expectativas que são criadas nos seus “filhos” (nós), anunciou muitas vezes e de forma vitoriosa e glorificante, “creches gratuitas para todos”. A medida lançada e que agora afinal só abrange crianças que nasceram depois, custará mais 16 Milhões de euros em 2022 aos cofres do estado, segundo artigos do Expresso e da Sábado. Muito longe dos 2400 milhões agora anunciados de apoios à inflação. Para termos uma ideia, este investimento na natalidade representa menos de 1% do custo que este novo pacote recentemente anunciado tem. Sejamos sinceros, é muito pouco num país que se digne dizer que está verdadeiramente preocupado com a natalidade.
E tudo isto num país que se sabe estar com uma natalidade deficitária, que sabe que se não incentivar e de alguma forma começar a inverter esta tendência, a sustentabilidade do nosso estado social está e estará em causa, embora muitos entendidos possam tentar argumentar que não.
Declaração de interesses, a minha filha mais nova nasceu um mês e meio antes do conveniente 1 de Setembro de 2021 (coitada, já nasceu a “errar”) e por isso não foi abrangida por esta medida, e sim, por isso fico de alguma forma a sentir-me enganado, revoltado, e outros “ados” que possam imaginar. E mais uma vez recorro à sabedoria popular para viver com alguma paz interior, “existem filhos e enteados” e no final vai “ficar tudo bem”.
Termino como comecei, mas agora com algumas certezas.
Tenho a certeza de que vivemos numa sociedade que vai andando de manobra política em manobra política, que vive iludida e aturdida por manobras de comunicação políticas.
Duarte Fonseca nasceu na cidade do Porto, onde se formou em Terapia Ocupacional e trabalhou durante um ano numa prisão. Trabalhou durante quatro anos na Beta-i como consultor de inovação e durante três anos na Associação Just a Change. É atualmente Diretor Executivo da RESHAPE, uma associação que cofundou em 2015, que tem como missão garantir a reinserção digna de todas as pessoas que estão ou estiveram presas e que promove o negócio social Reshape Ceramics. Faz parte da comunidade Global Shapers do World Economic Forum desde 2019.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.