São já muitas as vozes que nos falam do deterioramento da saúde mental dos portugueses durante a pandemia. Contudo, parece-me que não são suficientes. Falamos muito da proteção da saúde física (distanciamento, máscaras, confinamentos, desinfeção das mãos, etc.), fala-se muito também da proteção da economia, ou da não proteção da economia, mas pouco falamos do nosso bem-estar mental. Para termos uma verdadeira noção da crise que podemos potencialmente enfrentar, no início deste ano houve um aumento de 50% do número de casos com problemas de ansiedade e humor nas urgências da pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia. Um estudo das universidades austríacas do Danúbio e de Medicina de Viena, afirma que cerca de 56% dos adolescentes austríacos têm sintomas de depressão e 16% têm, diariamente, pensamentos suicidas, consequência de terem estado 3 meses seguidos sem ir à escola. Ou seja, parece-me que estamos perante uma potencial crise pandémica muito superior à que vivemos atualmente às mãos do coronavírus.

Inicialmente pensei em escrever este texto sobre a importância do abraço, do toque. Contudo, já muito tem sido escrito sobre o assunto, e bem escrito. Pelo que, não querendo repetir outros, que sabem muito mais do que eu, apenas reforço algumas ideias que me acompanham.

Um abraço reduz os níveis de cortisol no nosso corpo (conhecida como a hormona do stress). Um abraço aumenta os níveis de produção de oxitocina, uma hormona que nos traz imensos benefícios. Desde o aliviar de dores físicas e emocionais (se calhar o beijinho e abraço que se dá às crianças quando se magoam tenha algum sentido), à redução da tensão arterial e ao relaxamento muscular. Alguns autores vão mais longe e defendem que precisamos de vários abraços ao longo de um dia para sobreviver.

Estes dados preocupantes sobre a nossa saúde mental e sobre a importância de um abraço e do toque, levaram os meus pensamentos para os suspeitos do costume. Quem está mais exposto a esta potencial crise pandémica mental, quase como se de uma potencial 4ª onda da pandemia se tratasse?

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Todas as pessoas institucionalizadas e que, por norma, já estavam mais isoladas e longe dos abraços. Pessoas que se encontram em lares de 3ª idade, estabelecimentos prisionais, centros psiquiátricos e outros locais mais isolados e rurais serão provavelmente mais uma vez os mais afetados pela crise. Se eu próprio me tenho sentido muitas vezes frustrado, com alterações de humor e de alguma forma mais stressado que o costume, não quero imaginar quem se encontra nessas situações. E atenção, eu e a minha família estamos provavelmente na franja da sociedade que menos afetada foi, no sentido em que temos condições de vida médias, temos família próxima que nos apoia e cá em casa todos nos damos bem (claro que temos os nossos dias).

Voltando ao tema, gostava de dar um exemplo de um tipo de população altamente isolada e institucionalizada que estará a sofrer bastante com esta situação. E não seremos humanos se achamos que merecem sofrer o que estão a sofrer. Nas prisões portuguesas, as pessoas que lá se encontram podem, em tempos normais, ter visitas 2 vezes por semana de 1 hora cada. Ou seja, já é francamente pouco em tempos normais. Contudo, neste momento, e desde abril de 2020, as visitas foram reduzidas a 1 vez por semana para 30 minutos e sem possibilidade de contacto físico, ou seja, separados por uma espécie de vidro em vinil. Imaginem filhos de 3/4 anos a ver os pais através de um vidro, sem compreenderem porque não podem abraçar o pai. Dito isto, não estou a discordar das medidas, para contenção da pandemia, até porque sabemos que os surtos neste tipo de instituições são muito difíceis de controlar, como vimos nas dezenas de lares que abriram os nossos noticiários da noite. Estou sim a levantar o tema, porque após a pandemia teremos que ser proativos para combater os efeitos secundários que estas medidas vão trazer, e já trouxeram. Como vamos recuperar o tempo perdido? É possível recuperar esse tempo perdido? A nível mundial estima-se que as taxas de suicídio em meio prisional sejam 10 vezes superiores do que na população em geral. Como será que estes rácios vão ficar?

Acredito por tudo isto que precisamos urgentemente de um plano de desconfinamento dos afetos tanto quanto de um plano de desconfinamento. Esta necessidade tem-se tornado cada vez mais visível e mais urgente em determinadas camadas da nossa sociedade. Precisamos de juntar especialistas na matéria para definirem um plano para o país e para as populações mais afetadas e vulneráveis e precisamos que cada um de nós tenha consciência da importância que todos temos na ativação deste plano.

Ou seja, quem vou abraçar quando puder? Como me vou aproximar daquele amigo ou colega de trabalho que sofreu mais com a pandemia? E na minha família? E estranhos na rua?

Atenção, não estou a convidar nem à irresponsabilidade de quebrarmos as medidas de controlo de pandemia, nem à imaturidade de sairmos pela rua fora a abraçar perfeitos desconhecidos, mas um sorriso (sem máscara, idealmente, e assim que possível), um cumprimento olhos nos olhos, e quando for possível um abraço, acredito serão a fórmula para elevarmos os nossos índices afetivos e de felicidade.

A todos os que me leem um abraço e desejo de ótimos abraços no desconfinamento afetivo que espero que esteja próximo.

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Duarte Fonseca nasceu na cidade do Porto, onde se formou em Terapia Ocupacional e trabalhou durante 1 ano numa prisão. Trabalhou durante 4 anos na Beta-i como consultor de inovação e durante 3 anos na Associação Just a Change. É atualmente Diretor Executivo da APAC Portugal, uma associação que cofundou em 2015 e que tem como missão disseminar e implementar novas abordagens que transformem a vida de todos os reclusos, e que promove o negócio social Reshape Ceramics. Entrou para os Global Shapers em 2019.