O libanês Hassan Nasrallah, nascido em Beirute e recentemente assassinado à força de «bunker busters» lançados dos ares sobre Dahiyeh, um subúrbio ao sul daquela cidade, foi um dos fundadores do Hezbollah (Partido de Deus), uma milícia que ao longo de 32 anos dominou o país dos cedros e o transformou numa ameaça militar regional, apoiada e direcionada pelo Irão. Que dela se tem servido como veículo de exportação do Islão do ramo xiita duodecimano da jurisprudência jafarita, conforme estabelece o artigo 12.º da sua Constituição.

A Nasrallah, patronímico que em arábico antigo quer dizer «Vitória de Deus», foi-lhe atribuído o título de Saíde, o que significa que a linhagem daquele xeique e clérigo xiita remonta a Maomé, o profeta-fundador do Islão. A sua violenta eliminação obriga, desde já, a colocar esta pergunta: o que pode fazer o direito internacional perante tal situação?

A dispersão de normas e a multiplicação de ordens jurídicas regionais provocam frequentes conflitos de competência e deixam quase sempre o direito internacional manietado. Porém, o caminho, no âmbito da jurisdição internacional, começa pelo princípio, isto é, pela investigação do modo como Nasrallah foi morto.

O primeiro passo cabe ao governo libanês solicitar ao Conselho de Segurança da ONU, órgão responsável pela paz e segurança internacionais, uma investigação, levando a ser criada uma Comissão independente, como já ocorreu no passado com a morte do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, assassinado num atentado com carro-bomba, em Beirute, em 14 de fevereiro de 2005, atentado esse que vitimou igualmente mais 21 pessoas.

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As comissões de investigação da ONU são importantes no apuramento de responsabilidades, embora os seus relatórios não terem aplicabilidade direta na punição dos culpados. No entanto, fornecem dados essenciais para futuras ações judiciais de ressarcimento de danos.

O Conselho de Segurança da ONU deve igualmente intervir para evitar aumentos de tensão e conflitos armados na região, especialmente entre o Hezbollah e Israel, ou entre os iemenitas hutis em união com o Hezbollah, ou, concretamente, entre o Irão e Israel. Essa intervenção concretiza-se em resoluções do Conselho de Segurança, as quais são vinculantes, ou seja, têm força de lei. E o seu não cumprimento é passível de sanções.

No caso do recente bombardeamento do Líbano (e não esquecer o ato terrorista dos pagers armadilhados), se o direito internacional humanitário fosse respeitado, essas medidas poderiam incluir: 1) condenação dos atos de violência que levaram à morte de Nasrallah; 2) sanções contra os responsáveis, se identificados; e 3) envio de missões de paz para evitar novos conflitos, especialmente no sul do Líbano, onde o Hezbollah dispõe de forte presença.

Num conflito armado, o uso de força indiscriminada pode ser interpretado como um crime de guerra ou uma violação do direito humanitário internacional. O Hezbollah é, para muitos países, como os EUA e Israel, uma organização terrorista, mas também atua como uma força militar e política no Líbano.

O direito internacional, especialmente o direito internacional humanitário, qualifica como crime de guerra qualquer ação violenta que infrinja as convenções de Genebra, como, por exemplo, ataques contra civis ou uso excessivo da força. Assassinar ou ferir civis não são atos de natureza militar aceites pelo velho direito de guerra, o qual já ninguém leva a sério nem sequer pratica.

Caberá ao Tribunal Penal Internacional decidir se irá garantir justiça às vítimas, julgando pessoas (e não Estados) e só intervirá quando os tribunais nacionais não têm capacidade ou vontade de investigar e julgar os responsáveis.

O governo libanês, além de solicitar a investigação, ver-se-á na necessidade de pedir ajuda a ONU e a outras organizações internacionais para se evitar uma escalada de violência ou uma guerra civil no país. Serão chamadas ao cenário internacional as inoperantes União Europeia, Liga Árabe, União Africana, Organização para a Cooperação Islâmica, etc., com o objetivo de promoverem a paz, protegerem os civis e garantirem o respeito pela aplicação do direito internacional.

O Comité Internacional da Cruz Vermelha se verá igualmente envolvido para garantir que as normas humanitárias sejam seguidas, limitando os danos à população civil.

A morte de Hassan Nasrallah terá fortíssimas repercussões ao nível do imenso barril de pólvora que dá pelo nome de Médio Oriente, a começar logo pelo Irão. Agora, o pódio será para a frouxa diplomacia de guerra. Longe vão os tempos dos diplomatas de elite como Henry Kissinger, secretário do Estado dos EUA, fundamental nas negociações para o fim da Guerra do Vietname; ou Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, pelos esforços em promover a paz e a segurança global, especialmente em crises como a do Kosovo e o genocídio em Ruanda. Porém num mundo sem exímios diplomatas de guerra, aguarda-se adequada resposta do direito internacional algemado em dias que são já de iniludível odor a guerra mundial.