A velocidade com que as novidades nos surpreendem é fulgurante. Aquilo que faz a diferença é que, dantes, era preciso muito tempo, muita coragem, engenho guerreiro e, de certa forma, fé para garimparmos uma novidade e chegarmos até ela. Agora, não. As novidades vêm ter connosco. E são tantas e tão sedutoras que se acotovelam umas nas outras. E parecemos não ter tempo para as entender.
É engraçado que repreendamos os nossos filhos quando eles, depois de lutarem teimosamente e com ardor por uma surpresa — mesmo que ela lhes chegue através de um ovo de plástico com um brinquedo sensaborão lá dentro — se fartam muito depressa dela. Enquanto nós, em função da velocidade com que nos chegam as novidades, parecemos — muito mais do que eles — viver viciados nelas. Não tanto porque tenhamos tempo para as gozar. Mas porque precisamos da novidade seguinte para que a nossa curiosidade não deixe de estar, permanentemente, hiperativa. E em “modo de alerta”.
O que é mais inquietante ainda é que, em função das novidades que consumimos, os algoritmos nos oferecem uma realidade com contornos tão “à medida” e tão pessoal, que aquilo a que fomos chamando “a realidade” corre o risco de não nos unir. E, pior, de ter deixado de “existir”. E de estar sempre à altura dos nossos olhos. O que faz com que, hoje, aquilo que mais se torne perturbador não sejam tanto as fake news. Mas um turbilhão de realidades tão pessoais que, no final de contas, “a realidade” se torna, ela própria, uma fake new. Que deixe de ser um contraponto mais ou menos objetivo que nos oriente e nos torne comedidos. E se transforme num caleidoscópio onde a fantasia sobressai e onde a verdade corre o risco de se tornar efémera e dissimulada.
Este é, de certo modo, o mundo onde os nossos filhos navegam e crescem. Clicar sobre múltiplos assuntos não é bem o mesmo que ter a vista na ponta dos dedos. É passar pelas coisas à procura da novidade seguinte. É saturar a curiosidade. Alimentá-la com o que há de viral. Mais do que esperar que a realidade lhes traga a verdade, é reconhecer que a forma como se tornam seguidores faz deles pessoas crédulas e manobráveis. Como podem eles não ter défices de atenção se a dúvida e o contraditório parecem não os interpelar tanto como a atratividade da surpresa para que eles pensem pelas suas cabeças? Como podem estar eles comprometidos com a verdade se “a realidade” parece ter-se transformado, vezes demais, num “conteúdo patrocinado”?
Compreender uma novidade faz com que pense com a memória. Procurá-la, de forma quase febril, como se ela fosse descartável, dá às novidades o estatuto de coscuvilhice. Mas, afinal, o que procuramos na vida: a surpresa febril ou a memória no futuro?
A memória é o lugar onde o tempo ganha direito a casar passado com futuro. Quando nos deixamos consumir pelo consumo, a memória deixa de ser uma ponte e fica, perigosamente, refém do momento da surpresa. Vive-se sem espanto. Se não aprendemos a esperar até que uma novidade nos surpreenda, com encanto e com espanto, depois de nos aventurarmos e guerrearmos por ela, como é possível conquistarmos o futuro, num mundo em que a paciência precisa do tempo que ele não tem para nos dar?
É engraçado como todos procuramos viver “o momento”, como se isso fosse cavalgar a vida e domesticá-la. Como se ela fosse um potro indomável. Quando, ao mesmo tempo, se fica com a sensação de que viver “o momento” é aquilo que mais nos afasta da vida. Porque não há como viver refém da surpresa. Sem memória e sem futuro.
Na verdade, não somos hoje mais estranhos em relação ao sagrado do que éramos. A diferença é que, dantes, o cume do sagrado seria Deus. E, hoje, são as verdades mais consumidas que nos tornam “fiéis”. E têm, em relação a nós, o mesmo devir dogmático que Ele ocupava. Num mundo que salta e pula e se esgadanha por novidades, pode uma pessoa reclamar o direito a ter tempo? Ou a dar-se tempo? Para crescer, para pensar ou, simplesmente, para ter tempo, sem outro motivo que não seja para viver e para amar? Pode “a realidade” dar-lhes as coordenadas para que sejam humildes ou, pelo contrário, fecha-os numa bolha onde a realidade deles e a dos outros parecem países distantes e estranhos que comunicam, quando muito, através de videojogos e de redes sociais? E onde ficam os pais e a escola como contrapontos que os façam crescer?