A proposta de Orçamento do Estado para 2015 (OE) traz boas e más notícias. As boas notícias são a redução do défice orçamental para um dos valores mais baixos das últimas décadas, a previsão de crescimento da economia em 1,5%, a redução do desemprego e o não agravamento fiscal de forma substancial em termos globais.

Mas existem várias notícias negativas. Em primeiro lugar, o défice reduz menos do que era suposto (2,7% do PIB em vez dos 2,5% que estavam acordados). Em segundo lugar, esta redução resulta sobretudo do efeito do crescimento económico e pouco de medidas que permitam a redução de despesas. O problema é que há um risco considerável de não concretização do cenário macroeconómico projetado por motivos, quer internos, quer externos. Os motivos internos que podem condicionar a concretização deste cenário são, por exemplo, os que estão relacionados com o sistema bancário e o financiamento da economia.

Por outro lado, a economia portuguesa está muito dependente do desempenho de outras economias e suscetível a possíveis focos de instabilidade política. Em terceiro lugar, ao contrário do que fora anunciado, não se prevê uma redução efetiva dos impostos, apesar de ser assumido que o esforço fiscal já ter atingido níveis insuportáveis. Por último, existe uma tendência para aumento gradual da despesa que irá repetir-se nos anos seguintes. Só o aumento do número de pensionistas e reformados representa em 2015 um crescimento da despesa em 0,4% do PIB. Este fenómeno vai repetir-se nos anos subsequentes. Significa isto que o exercício de 2015 vai ser muito exigente e que os anos seguintes se apresentam com dificuldades acrescidas.

Em resumo, ao fim de vários anos de austeridade conseguiu-se evitar o colapso, o que é bastante positivo, mas não se conseguiu verdadeiramente inverter de forma estrutural o rumo da situação. Seria expectável um maior esforço para redução da despesa de forma a assegurar a sustentabilidade da economia portuguesa num prazo mais alargado. Este tem sido o grande desafio do governo desde o início do mandato e cujos resultados ficaram muito aquém do que estava planeado. A resposta está na página 38 do relatório que acompanha a proposta de OE, assumindo-se dificuldade “em reduzir adicionalmente a despesa perante as restrições à alteração das despesas com pessoal e despesa com pensões”. A culpa é, pois, da Constituição, ou da interpretação restritiva que o Tribunal Constitucional faz da lei fundamental.

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É paradoxal que a ameaça à sustentabilidade da economia resida no Tribunal Constitucional, cuja missão consiste em garantir a coerência do ordenamento jurídico com a constituição, refletindo esta a base dos valores em que a nossa sociedade se encontra alicerçada. A sustentabilidade não é um valor com dignidade constitucional? Será que o problema reside mesmo no Tribunal Constitucional?

Todo o direito está construído numa tensão entre a justiça e a segurança. Justiça sem segurança é utopia e segurança sem justiça conduz à ditadura. Nos últimos anos as medidas de austeridade relacionadas com a remuneração dos colaboradores do estado e pensionistas foram marcadas por uma batalha jurídica, procurando-se em cada proposta explorar as fragilidades argumentativas da decisão anterior. Mas no fundo tudo se pode resumir, de forma simplista, a duas ideias: sacrificar a remuneração dos colaboradores do estado põe em causa a justiça na repartição dos sacrifícios, ao passo que a redução das pensões de reforma atenta contra a segurança e legítimas expectativas daqueles que fizeram a sua carreira contributiva confinando no quadro legal vigente à época em que procederam às contribuições.

Todos estes argumentos podem naturalmente ser questionados. À injustiça imposta aos colaboradores do estado pode ser contraposta a menor segurança a que estão sujeitos os trabalhadores do setor privado, ao passo que a segurança garantida aos pensionistas atuais pode ser contrariada com a injustiça dos contribuintes atuais serem forçados a financiar um sistema do qual pouco vão beneficiar.

Tendo em conta a missão que lhe está atribuída, o Tribunal Constitucional é conservador por natureza. E ainda bem que assim o é, porque a preservação dos valores chave requer estabilidade na forma como esses valores são integrados no ordenamento jurídico.

É inegável que estes temas são de uma enorme sensibilidade. Como tal, ao pôr em causa alguns direitos tidos como intocáveis durante tanto tempo, seria expectável que essa iniciativa estivesse integrada em reformas estruturais que refletissem mudança de hierarquia de valores. Isso só seria possível num contexto de consenso político mais alargado. No entanto, esse consenso não foi suficientemente procurado pela maioria, nem houve abertura para o efeito por parte da oposição. Na falta desse acordo, coube ao Tribunal Constitucional fazer uma interpretação restritiva da constituição e evitar experimentalismos de uma maioria circunstancial.

A verdade é que vai ser necessário no futuro aproximar os estatutos profissionais dos colaboradores do estado e do setor privado. Da mesma forma, a sustentabilidade da segurança social obrigará a repensar o modelo de financiamento e a encontrar uma forma de distribuir o sacrifício entre as diferentes gerações (pensionistas, contribuintes no ativo e contribuintes na fase de transição). Na verdade, as medidas implementadas nos últimos anos relativamente a reformados e pensionistas refletem essencialmente uma preocupação de equilíbrio no curto prazo sem necessariamente favorecer a sustentabilidade do sistema a médio ou longo prazo.

Os efeitos do envelhecimento da população e da baixa natalidade vão forçar a um consenso para implementar reformas estruturais mais cedo ou mais tarde. A questão que subsiste é a do preço que estamos a pagar pela demora em alcançar o tão esperado consenso. Já estamos com vários anos de atraso e o preço pela demora é cada vez mais elevado. Esperemos, pois, que o debate até às próximas eleições seja pautado por uma maior abertura e sentido de responsabilidade.

Jurista e gestor de recursos humanos