Reina a maior das confusões, como é habitual, na comunicação social, e nos néscios comentadores que insiste em convidar a propósito dos limites à liberdade de expressão alegadamente violados por certos deputados nos corredores da AR. Ouve-se de tudo. Uma deputada veio a lume dizer que ouvia «mugidos», outra que ouvia não se sabe bem o quê, outras confirmavam cavilosos rumores, em surdina, etc… A propósito, o Presidente da AR pediu, e bem, aos deputados, sejam eles quais forem, moderação e respeito.
Vejamos; a situação é clara; a extrema-esquerda parlamentar com ramificações dentro do partido socialista quer, no uso da indigência intelectual que a caracteriza, aproveitar a ocasião para limitar a liberdade de expressão dos deputados da outra banda. Toda a gente se apercebeu disto, tal a falta de jeito com que a questão foi exposta. Vai daí certas deputadas de serviço, as mesmas de sempre, prestaram-se a vir para a comunicação social fazer figura de virgens púdicas alegando sentirem-se insultadas.
Não as vi incomodadas com as ameaças daquele distinto deputado da UDP que jurava levar os «reaccionários» para o Campo Pequeno a fim de serem fuzilados. Não. O insulto e ameaça são para elas privilégios da esquerda. Qualquer comentário, porventura deselegante e canhestro, vindo de outras latitudes é imediatamente racista, misógino, fascista, homofóbico, machista, elitista além de outros epítetos próprios dos raciocínios escassos que povoam a cabeça da extrema-esquerda portuguesa com algumas ramificações dentro do PS. Mais sábios e consistentes, os deputados do PC evitam o pudor virginal e tentam pintar o quadro com os tons mais impressivos, mas não menos falsos, do «discurso do ódio» e outras expressões hoje em moda.
O que eles não sabem nem querem saber é que o comentário brejeiro e até o insulto tem longa tradição no parlamentarismo português. Fez parte das regras da arte. Se alguma vez se tivessem debruçado sobre o que foi o parlamentarismo monárquico constitucional e o da primeira república não se escandalizariam. E, de algum modo, a ordem constitucional actual permite-os.
Há que distinguir entre duas situações. Dentro da AR os deputados, no exercício das suas funções, não são responsáveis civil, criminal ou disciplinarmente por opiniões emitidas. É o que a Constituição diz e o regimento confirma. E compreende-se; a tolerância para com os senhores deputados corresponde à especial legitimidade de que estão investidos enquanto representantes dos cidadãos. Se a liberdade de expressão do cidadão comum tem poucos limites a dos deputados tem muito menos. A responsabilidade deste é sobretudo política e perante os eleitores.
Os destinatários daqueles comentários alegadamente racistas e sei lá que mais, se não gostarem, devem fingir que não ouvem ou queixar-se à entidade que tem competência regimental para exigir decoro e contenção aos deputados ou seja, ao Presidente da AR. Não lhe faltam poderes regimentais para moderar as intervenções dos deputados e as respectivas atitudes dentro do parlamento. E tem sido exemplar nessa função. Nem de mais, nem de menos. Dispõe-se, ao que se sabe, a chamar a atenção para eventuais desmandos de linguagem e até a censurar o deputado que prevarique mas nada mais.
Claro que a extrema-esquerda e seus acólitos não ficam satisfeitos. Querem aproveitar a ocasião para instituir um mecanismo sancionatório oficioso cujo objectivo é limitar a expressão das opiniões da outra banda. A liberdade de expressão só lhes interessa se jogar a favor deles. Vai daí tentam pressionar o Presidente da AR por todos os meios. Mas esquecem-se que ele além de verdadeiro democrata é um gentleman de esmerada educação e age em conformidade, coisa que aqueles deputados nem sabem o que é.
Outra situação é a resultante do puro e simples insulto. Apesar de o insulto ter longa tradição no parlamentarismo português, a realidade é que no enquadramento constitucional actual não tem qualquer atenuante. A solução é a queixa-crime. Mas é preciso não esquecer que, mesmo aqui, o deputado que insultou outro goza de imunidades em matérias criminais constitucionalmente consagradas que em muito dificultam o sucesso do processo-crime. A queixa-crime é possível, mas se já é difícil prosseguir nela contra o deputado se o insulto foi proferido fora do exercício das suas funções muito mais difícil é se ele foi proferido no exercício das suas funções. As entidades competentes mandam arquivar; não fazem o inquérito, não acusam nem pronunciam. Não vou entrar aqui em pormenores jurídicos que maçariam o leitor. De modo que não prevejo grande futuro para o pudor das deputadas queixosas. Têm de esperar por melhor ocasião. Lição a tirar; a extrema-esquerda e seus acólitos não querem saber da liberdade de expressão para nada, dentro ou fora da AR. E não hesitam em vilipendiar o seu Presidente se ele a defende.