Esqueçam as poesias retóricas e as fantasias políticas: os “coletes amarelos” não são uma saudável revolta do “homem comum”. Vamos ver se nos entendemos: o “homem comum” não incendeia carros, não destrói estátuas e não bate em polícias. O “homem comum”, numa democracia liberal, argumenta, protesta e, num momento de solenidade e respeito, vota.

Pode parecer pouco para aqueles que em Portugal sonham com a tomada da Bastilha ou, mais patrioticamente, com o PREC — mas é muito para quem aspira a, simplesmente, viver num país normal, onde a política não é uma sucursal da violência. Os extremistas acham que a política aborrecida é um vício; os moderados acham que é uma virtude.

Há outra coisa que os “coletes amarelos” não são: eles não são o despertar do “povo” sensato que enfrenta uma elite desligada da realidade. Se há alguém a viver em Marte não é Macron, são os “coletes amarelos”. O movimento é convenientemente inorgânico e, portanto, impossível de responsabilizar, mas vários documentos mostram o que está naquelas cabeças. E o que lá está é um país que oscila entre o absurdo e o perigoso.

Primeiro, os “coletes amarelos” refugiam-se num clássico da extrema-esquerda e da extrema-direita: transpirando irresponsabilidade, querem que França saia da União Europeia e da NATO, como se todos os problemas do país resultassem do mero ato de falar com estrangeiros, criar alianças e abrir fronteiras.

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Depois, vem a tentação de tratar a economia como um conto de fadas. O plano dos “coletes amarelos” é simples: se chegarem ao poder começam, heroicamente, por dar um calote no pagamento da dívida; e a seguir, necessitando de dinheiro, pretendem “reconquistar o direito a emitir moeda”, como se essa louvável atividade fosse gratuita ou inconsequente.

Por fim, usando uma forma peculiar de pensamento mágico, os “coletes amarelos” acham que podem aumentar descontroladamente as despesas (com a “contratação massiva” de funcionários públicos, com a quadruplicação do orçamento da justiça, com a criação de trabalhos para os desempregados e com a fixação da idade da reforma nos 60 anos) e, ao mesmo tempo, baixar dramaticamente as receitas, com a proibição de que os impostos retirem mais de 25% do rendimento dos contribuintes. Vamos repetir e simplificar: de um lado, passa a sair mais dinheiro; e, do outro, passa a entrar menos dinheiro.

Com tudo isto, uma pessoa só fica espantada ao ver políticos portugueses respeitáveis a falarem dos “coletes amarelos” com volúpia e admiração. Mas há uma história que talvez ajude a explicar essa estranha forma de pensar. Em 1974, o PS organizou o seu primeiro congresso e, no meio dos entusiasmos revolucionários, Mário Soares convidou Felipe González, do PSOE, e Santiago Carrillo, do PC espanhol, a virem a Lisboa. Mas não os tratou da mesma maneira: só o comunista é que teve direito a discursar. Furioso, o socialista Gonzaléz foi ter com o líder do PS e disse-lhe que, se não pudesse falar também, abandonaria o congresso em protesto. Quando Soares se manteve inflexível, invocando a necessidade de ter o apoio dos comunistas em plena revolução, González avisou-o, ominoso: “Pois é, os comunistas dos outros são sempre melhores do que os nossos”. Os “coletes amarelos” também.