A nova lei das ordens profissionais, promulgada pelo Presidente da República após a pronúncia de 20 de Março por acórdão do Tribunal Constitucional, que não encontrou qualquer norma que desrespeite os princípios constitucionais, tem trazido grandes alterações estatuárias às diversas ordens profissionais.

Uma dessas ordens, a Ordem do Contabilistas Certificados (OCC), com cerca de 68.000 membros, é talvez aquela que mais sai prejudicada de todo este processo. Isto porque poderá ser aprovado um diploma, em Conselho de Ministros, que retira a responsabilidade ao contabilista certificado na sua competência exclusiva de submeter todas as declarações fiscais a que estão hoje sujeitas todas as entidades com contabilidade organizada. Assim, parece que qualquer empresário, ou mesmo uma outra pessoa sem qualquer qualificação para o efeito, poderá, no limite, submeter toda e qualquer obrigação fiscal sem que seja necessária a assinatura exclusiva do contabilista certificado.

Uma ordem profissional como a OCC, que durante 30 anos trabalhou para fazer crescer uma das maiores ordens profissionais do País, vê agora desferido o maior golpe de sempre. A certificação, sinónimo de garantia, pode cair.

O interesse para o país da existência desta profissão até agora regulada, que sempre foi acompanhando as mais diversas alterações legislativas e declarativas que o executivo implementou, dando as estes profissionais toda a formação necessária para que tudo pudesse ser cumprido de forma escrupulosa, é de uma extrema importância .

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Desde logo a nível fiscal. Toda e qualquer matéria fiscal das organizações passa primeiramente pela aplicação de regras contabilísticas.

O próprio Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas( CIRC) remete para a contabilidade o cálculo do lucro fiscal em que o seu apuramento se fará pelas suas regras. Ora, dispensando, como parece ser o caso, a figura do Contabilista Certificado, pela exclusiva função de ser ele o único garante do apuramento real dos impostos a liquidar pelas organizações, a consequência direta é fácil de se adivinhar: maior evasão fiscal e, com ela, menos justiça social. Ou seja, aquilo que todos os dias deve ser combatido poderá, por um acto irresponsável do governo, estar em risco.

Toda a análise fiscal e a implantação de uma otimização da fiscalidade, embora complexa e dispersa em muita legislação, dependerá sempre de uma correcta contabilização de todas as operações financeiras das empresas.

Quando o governo suscita alterações desta natureza, tirando qualquer responsabilidade ao Contabilista Certificado pela sua competência exclusiva, acabando de alguma forma com a garantia que só este profissional qualificado por dar, só poderemos com isso concluir que não se percebe nem se quer perceber a importância que a profissão significa para o país e a sua especialização técnica, com toda a mais-valia para uma sólida estrutura financeira e fiscal.

Isto significa igualmente que não se percebe o que significa a fiscalidade e os seus princípios, na medida em que, por pensamento a contrario, ao entender-se a profissão e o paralelismo entre a contabilidade e a fiscalidade não se poderia acordar um belo dia de manhã e lembrar-se em retirar a exclusividade destes profissionais.

Não perceber isto, é sintomático de um estado que não percebe a importância das pessoas e da sua qualificação e das organizações para o desenvolvimento económico do país.

De que vale então um curso de contabilidade para o governo?

De que vale a estes milhares de profissionais terem apostado na sua formação?

A reposta, é clara. Vale zero.

O que está neste momento em jogo não é exclusivamente os membros da OCC. O que está em causa é o interesse público da figura dos Contabilistas Certificados, para o garante e correcto arrecadar da receita fiscal, motor essencial no desenvolvimento económico do país.

Garantir a correcta informação fiscal e contabilística das entidades, uma execução transparente das demonstrações financeiras e toda a sua fiabilidade, que só pode ser realizada por profissionais qualificados e aptos para o efeito, significa confiança, segurança no cumprimento das regras fiscais em vigor.

Assim é agora, mas poderá não ser assim no futuro próximo.

Retirar a estes profissionais a responsabilidade pelos seus actos exclusivos, pondo em sério risco a realidade económica e financeira das empresas e sua verdade é de uma inqualificável estupidez, que simultaneamente representa uma consequência directa de um já velho hábito da política portuguesa: dar o poder de decisão a alguém que não conhece a realidade.

Este é só mais um exemplo da douta sabedoria de quem faz leis. Não sabe, não conhece e não quer saber como as coisas são, mas tem o poder nas mãos e manda.

Não perceber isto é não perceber nada, e quem acordou a pensar que se pode dispensar das organizações uma das figuras mais importantes para o seu desenvolvimento económico só tem um nome: é parvo, e neste caso, parece que foram dois.