Passando a voo de pássaro pela CNN Portugal, Daniela Nunes, “especialista em Relações Internacionais”, debitava as habituais platitudes sobre o “moderado” ex-líder do Hamas, sobre a “escalada” de Israel que “atiçou” o Irão, etc., etc.

A senhora não parecia capaz de compreender que quem “atiça” a guerra na zona é o Irão, que a “escalada” não é de quem se defende, mas de quem ataca, que não há “moderados” no Hamas e que, em última análise, não são os líderes destes grupos terroristas que decidem o que quer que seja, mas sim os aiatolas em Teerão.

E que, em suma, a única maneira de libertar os reféns é levar os aiatolas a chegarem à conclusão de que isso é vantajoso para eles e darem a respectiva ordem aos “moderados” que chefiam os grupos terroristas que envia contra Israel.

O que está em causa no Médio Oriente é bastante simples. O Irão tem como objectivo, mil vezes declarado, erradicar Israel. E como não tem poder para o fazer, gizou a paciente estratégia de cercar Israel com um anel de fogo, enfraquecendo, pela atrição permanente, a sua capacidade e vontade de existir. E vai ganhando tempo para chegar ao momento em que acredita ficar confortavelmente protegido por debaixo de um guarda-chuva nuclear que pode simultaneamente usar como ameaça ofensiva, até pela sibilina sugestão de que o pode fornecer aos seus proxies.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A equação vigente até há pouco, também era simples. O Irão atacava Israel através dos seus proxies no Líbano, em Gaza, etc., e Israel apenas podia responder sobre esses proxies.

De resto é a mesma equação, com algumas variantes de contexto, que os aiatolas usaram nos conflitos que foram criando com todos os seus adversários na região, especialmente os sauditas e os americanos.

No caso dos americanos, quando estes executaram o general Suleiman, em resposta aos contínuos ataques a bases americanas por milícias controlados pelo Irão, os aiatolas lançaram dezenas de mísseis sobre uma base americana. Funcionou, a América absorveu o golpe, retraiu-se e a equação manteve-se a contento dos aiatolas.

No caso de Israel, a situação é mais complexa, porque o que está em causa não são umas bases longínquas, mas sim o próprio território israelita, e ambos os contendores têm reais capacidades para infligir danos sérios um ao outro. A diferença é que Israel luta pela sua sobrevivência e o Irão não.

Mas Israel parece finalmente ter percebido que a estratégia assente apenas na defesa, ainda que formidável, não é dissuasora, e para neutralizar os tentáculos que atacam de todo o lado, não se pode limitar a absorve-los com o Iron Dome e outros dispositivos de defesa e vibrar pequenos golpes em resposta, sendo necessário fazer a cabeça do polvo perceber que não está imune.

Ao atacar hierarquias militares iranianas em Damasco, Israel escalou para definir a nova equação. Vocês atacam-nos através de proxies, e nós atacamos-vos directamente onde entendermos mais adequado.

Os líderes iranianos não apreciaram obviamente esta equação, que lhes coloca a guerra directamente em casa, e lançaram centenas de drones e mísseis para repor a anterior, repetindo o modus faciendi que tinham já usado contra os americanos.

Mas Israel não reagiu como os EUA, porque pura e simplesmente não se pode dar ao luxo de mostrar medo ou fraqueza. Naquela região, a contenção não é dissuasora, mas sim um sinal de fraqueza, e esse é um dos erros de análise dos líderes ocidentais que fazem sucessivos apelos a esse conceito.

Israel reiterou a equação, a atitude lógica e racional neste tipo de jogo:  Vocês atacam com os vossos proxies e causam-nos danos sérios, e nós atacamos-vos onde nos apetecer, inclusivamente no Iémen, em Beirute e na vossa própria capital.

O Irão não está nada satisfeito com isto. Uma situação em que o polvo sofre na própria cabeça as consequências dos ataques dos seus tentáculos é indesejável e perigosa. Por isso irá tentar repor a agradável equação do início disto tudo, uma vez que mantém os seus objectivos estratégicos de dominância regional e erradicação de Israel. É até provável que quando este artigo estiver a ser lido, já tenha lançado um ataque de razoáveis dimensões contra território israelita, eventualmente, sobre um objectivo militar importante.

O problema é que um ataque desse tipo pode causar sérios danos em Israel, que não pode dar a outra face, e terá de reiterar a sua equação de forma ainda mais vigorosa.

Esta é a escalada da dominância dissuasora que, no limite, pode descambar no patamar nuclear se o Irão persistir no seu objectivo de destruir Israel.

É inegável que o Irão tem extraordinárias capacidades ofensivas e desenvolveu uma indústria de drones e mísseis capaz de alimentar consistentemente essas capacidades. Vontade de as usar também não lhes falta, mas, como diz o povo, não deve atirar pedras à casa do vizinho, quem tem telhados de vidro.

A nível defensivo, o Irão tem um problemático calcanhar de Aquiles, porque é vulnerável a ataques devastadores. Os israelitas explicaram aos decisores iranianos, com golpes precisos, que podem alcançar o que lhes apetecer no interior do Irão, incluindo os próprios líderes, já para não falar das instalações petrolíferas, refinarias, portos, etc., etc., ou seja, o mealheiro que financia as ambições imperiais e teológicas de Teerão.

Os aiatolas estão furiosos, mas há outra emoção em acção: o medo da resposta israelita!

A única razão pela qual ainda andam a tentar redesenhar as equações da dominância estratégica, é porque a Administração Biden tem mostrado uma tibieza constrangedora e não se atreve sequer a colocar na mesa de Khamenei uma discreta ameaça directa sobre o que pode fazer, se não parar de armar e ordenar ataques contra Israel, navios mercantes e outros países. Como por exemplo, fechar a saída do Golfo Pérsico para os navios iranianos, objectivo fácil de concretizar, destruir umas quantas infraestruturas, etc.

Israel não se pode dar ao luxo de tal tibieza e é mais directo. As execuções com as quais reiterou a sua equação, tiveram lugar em Beirute e Teerão, e esse facto é relevante. A eliminação dos líderes terroristas atacados foi, nessa visão, muito mais do que um mero acerto de contas. Tratou-se de mostrar aos que mexem os cordelinhos, que não estão imunes e em segurança onde pensavam que estavam.

Os locais, por si só, enviaram aos aiatolas uma mensagem simples e directa: Israel está determinado a ir atrás de quem atacar Israel e tem capacidades para o fazer. Mensagem que foi articulada em palavras claras e públicas, pelo primeiro-ministro israelita, para que o Irão, o Líbano e a Turquia entendam a equação em vigor

É o regresso à clássica estratégia de dissuasão que assegurou a sobrevivência de Israel, e que foi sendo abandonada em favor de uma estratégia meramente defensiva, assente em muros, bunkers, e armas de defesa.

Estratégia esta, resultante de uma mentalidade de presa, e que conduziu a um paulatino cerco pelos tentáculos organizados, armados e comandados pelo Irão, financiados pelo Qatar e por dinheiros desviados da boa vontade naïve de líderes europeus e americanos, e apoiados e admirados por uma vasta constelação de estados muçulmanos, antissemitas, e ignorantes de várias etiologias, nas universidades e televisões do Ocidente.

Israel testou os limites de uma postura estratégica exageradamente assente na defesa e perdeu a capacidade de dissuadir os seus inimigos.

A dissuasão depende, como se sabe, da percepção (pelo adversário) da nossa capacidade e vontade de usar a força. Defender não basta, porque não pode produzir uma vitória militar tangível. Em “A arte da guerra”, o presciente Sun-Tzu disse que “Aqueles que se destacam no ataque …….. são capazes de se preservar e alcançar a vitória completa”

A relutância em usar a força, bem como a visão estritamente defensiva com que ela é pensada, reduzem a capacidade dissuasora face a inimigos racionais e são inúteis face a inimigos irracionais. O resultado final é, paradoxalmente, uma maior probabilidade de que a guerra aconteça, como a presente situação ilustra na perfeição.

Já agora, uma bicada nas “análises” que por estes dias se ouvem nas televisões e que, de um modo geral, concluem que a eliminação de Haniyeh dificulta um cessar-fogo e a libertação dos reféns.

Nunca deixo de me surpreender pelo simplismo destas afirmações.

O cessar-fogo só ocorrerá quando o Hamas e os seus chefes em Teerão deixarem de acreditar que a “comunidade internacional” irá salvar o Hamas e voltar ao status quo que existia antes de 07 de Outubro.

E esse eventual cessar-fogo terá de ocorrer nos termos fixados por Israel, a parte agredida, seja por acordo, seja pela força. Esses termos são a libertação de todos os reféns, e aceitação, pelo Hamas, de que o seu tempo em Gaza terminou. Menos que isso e Israel terá perdido a capacidade de dissuadir o que quer que seja.

Israel não pode obviamente negociar os reféns nos termos que o Hamas deseja impor, porque isso seria vindicar a estratégia de fazer reféns e a garantia de que doravante, todos os grupos terroristas que atacam Israel, irão fazer o máximo número deles.

Basta relembrar que ao negociar a troca de 1000 terroristas pelo soldado israelita Gilad Schalit, Israel disse ao Hamas o que tinha de fazer na próxima ocasião, ou seja, capturar centenas de israelitas.