A infeção com o novo coronavírus no final do ano de 2019 foi o acontecimento que mais marcou o mundo de forma global. Sendo este novo coronavírus de grande transmissibilidade, a severidade da doença COVID-19 nunca foi igual para todos – e tudo isto visto e analisado antes do início da vacinação.

Tanto se escreve e fala do estilo de vida que é preciso adotar, sobretudo em matéria de alimentação e de atividade física, que se mantém a pergunta: O que falta para mudarmos o nosso estilo de vida?

O que nos poderá fazer parar e descansar, revendo prioridades? Infelizmente, na maioria das histórias clínicas dos doentes demonstram que só mudam quando “apanham um susto”. Na prática, ficam mais suscetíveis e mais comprometidos com a mudança quando a vida lhes prega uma surpresa.

De uma forma também global e forçosamente crítica, a COVID-19 deixa em todos a marca da alteração dos estilos de vida. Viagens de trabalho que não se fizeram, tempos em transportes otimizados pelo teletrabalho, oportunidade de fazer as refeições em família e em horários mais adequados, por exemplo – e estou claramente a tentar encontrar um lado  positivo que a pandemia não tem, procurando identificar oportunidades forçadas que, na grande maioria dos casos, não aconteceram. O que aconteceu foi um enorme investimento na investigação científica e um poder reforçado da ciência sobre todos nós.

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Dois assuntos saem reforçados: vitamina D e microbiota intestinal. São dois temas em que estivemos envolvidos e em que as evidências daí resultantes originaram dois artigos científicos de impacto internacional.

Tanto num caso, deficiência de vitamina D, como no outro, a disbiose (ou desequilíbrio da microbiota intestinal, a chamada ‘flora intestinal’), com a marca da menor diversidade, mostraram-se altamente desfavoráveis, mesmo de risco para quadros mais severos da COVID-19.

Na verdade, tudo se relaciona não só com o estilo de vida, mas com a forma de interpretarmos a medicina preventiva, aquela que nos permite prever riscos individuais ou populacionais e que nos dá a informação que nos vai permitir prevenir a falta de saúde – e, por isso, se diz ‘medicina participada’.

O que sabemos depois desta investigação? Qual a consequência clínica? Vai muito para além do cenário pandémico e deste novo coronavírus. Sabemos que é importante vigiar, junto do  profissional de saúde, os níveis de vitamina D, que vale a pena fazer um teste genético para conhecer a suscetibilidade para esta deficiência, que devemos cumprir as recomendações alimentares para que os microorganismos intestinais não nos sejam desfavoráveis.

Estaremos sempre bem acompanhados com  uma alimentação mediterrânica, com leguminosas, com a ingestão de proteína de origem vegetal mais presente, de peixe, com uma preparação culinária própria, hortofrutícolas, alimentos fermentados e, claro, estilo de vida mediterrânico, incluindo uma vida ativa, com atividades diárias ao ar livre.

Continuamos a falar do assunto, mas a falhar na adesão à alteração do estilo de vida que nos deixa doentes: obesos, diabéticos, mais risco de doença cardiovascular, de cancro, de doença neurodegenerativa, entre muitas outras condições, como a atual vulnerabilidade a quadros mais severos de COVID-19.

Dos resultados obtidos na investigação que fizemos em Portugal com doentes com COVID-19, em 2020, demostra-se que ter uma menor diversidade de microorganismos é mau. Se, de facto, comer leguminosas duas vezes por mês, se de hortícolas comer de vez em quando (3-4 vezes por semana) salada e sopa (só ao fim-de-semana), como muitos doentes relatam em consulta, não admira que os nossos microorganismos sobrevivam (os ‘bons’, que se alimentam de fibra).

Se passamos o tempo todo em trânsito, de carro ou outro transporte, se as nossas profissões já não são as que implicam uma vida ao ar livre, se usamos protetor (e muito bem), se apenas temos exposição solar de forma aguda circunscrita a férias, se não tenho conhecimento das minhas suscetibilidades, não admira que venha o caos social, o caos dos sistemas de saúde, a insustentabilidade económica e ambiental, de tanto que andamos obcecados e desnorteados.

Com as principais refeições ao final do dia, mais precisamente durante a noite, escassas de qualidade nutricional, rica em gordura saturada, em sal e em açúcar, rica em tudo o que nem devia ser escolha alimentar, parca em nutrientes, em fibra, em fitoquímicos, em alimentos probióticos, sublinho, não admira que estejamos assim, sem saúde. Com alterações do ritmo circadiano, de sono, sedentarismo e hábitos alimentares não adequados, é normal que estejamos doentes.

Em 2017, numa parceria com a CUF, a NOVA Medical School criou a unidade universitária Lifestyle Medicine, exatamente por considerar que a aposta deve ser em saúde para prevenir a doença, todas as doenças dos estilos de vida.