Perante todas as evidências, políticos, banqueiros, gestores públicos e dirigentes associativos, suspeitos ou acusados de corrupção e crimes afins, assessorados pelos comentadores avençados do regime, pretendem convencer os idiotas de que apenas os tribunais, após trânsito em julgado da sentença (que, tal como o Narciso, só ocorrerá quando não for preciso), poderão avaliar a bondade ou maldade das suas condutas ou comportamentos e com base nas leis que eles próprios, ou alguém por eles, fabricou à sua medida.

Ora, importa esclarecer os mais inocentes que nem os tribunais são a consciência cívica dos cidadãos, nem todos os comportamentos indignos e censuráveis são ilícitos e nem sequer as decisões judiciais garantem que foi feita Justiça, no sentido comum do termo. Com efeito, as decisões judiciais assentam num pressuposto, a verdade formal (a verdade que resulta da prova produzida em julgamento que nunca é a verdade dos factos tal e qual aconteceram), que põe logo em causa o sentido da Justiça, como é entendido pelo homem comum.

O Estado de Direito é um sistema institucional onde todos estão sujeitos ao império do Direito, sendo essa a forma encontrada que melhor protege os direitos de cada cidadão perante o poder, qualquer que ele seja. A Justiça, tal como é entendida pelo cidadão comum, colide muitas vezes com o Estado de Direito, na medida em que as decisões judiciais afastam-se, frequentemente e muito, da verdade material, nomeadamente, porque determinados meios de prova não são permitidos ou porque os prazos de prescrição já ocorreram. Ou seja, o facto de determinados acontecimentos terem ocorrido (a verdade material) não significa que seja dado como provado que tenham ocorrido e, muitas vezes, inclusive, dão-se como provados factos que nunca ocorreram (a verdade formal).

No entanto, nada obriga a que os associados de um clube ou os militantes de um partido tenham de pactuar ou estejam impedidos de agir contra aqueles que têm comportamentos reprováveis e lesivos do património, da honra e da dignidade das instituições que representam, mantendo-os nos cargos.

O mesmo se passa com o cidadão comum. Se um indivíduo encontrar a mulher na cama com o seu melhor amigo, não está obrigado a continuar a viver com ela e a conviver com o seu amigo até o tribunal, por sentença transitada em julgado, dar como provado que a sua mulher e o seu amigo lhe meteram os palitos, nem a fingir que não viu o que viu se o tribunal, porventura (o que pode muito bem acontecer, por falta de testemunhas), não der como provado que a sua mulher e o amigo o enganaram. Aliás, no caso de violência doméstica, as vítimas também não estão obrigadas a continuar a viver com os agressores até ao trânsito em julgado da sentença, apesar de os agressores se presumirem inocentes enquanto a sentença não transitar em julgado.

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