Na semana da Web Summit, o Porto também continuou a existir e a Federação Académica do Porto organizou a “Tomorrow Summit”, ou como eu apelidei, a Web Summit dos Pequeninos, quer pelo timing, quer pelo financiamento público que, como nós, os pequeninos que vivem da 2ª circular para cima, sabemos, não passa, e quanto passa vai numa fração. De qualquer forma, foi uma conferência de grande pertinência, com convidados certeiros e qualificados, que eu tive a oportunidade de ouvir de perto.

Uma das mesas redondas tinha o tema “Jovens na Política”, e figuravam no palco, entre outros, João Miguel Tavares e Luís Aguiar-Conraria. Foi aí que fiquei a saber, pelo segundo, que “o papel dos jovens na política deve limitar-se a causas, porque os jovens são muito ingénuos e não têm conhecimento suficiente para dar opiniões sobre problemas como o défice”. Fiquei também a saber, pelo primeiro, que a respeito da pergunta mais cliché mas menos resolvida da nossa atual democracia “Como se resolve o problema da abstenção?”, isso realmente não é um problema, porque “as pessoas não irem às urnas é normal sendo que não se está a colocar uma situação de vida ou morte no país” e “porque ter pessoas a não votar até é benéfico porque caso os abstencionistas saíssem para ir votar, isso seria perigoso”.

Isto choca. Ver formadores de opinião (muito) influentes, com meios tão poderosos, de cores políticas tão diferentes, dizer quase em uníssono um “a abstenção não é um problema sério” e um “ó jovem, vai aplaudir a Greta que Economia é coisa de adultos” é chocante. É chocante, é falacioso e precisa de ser urgentemente desmontado antes que estas “verdades”, ditas por estes ou por outros comentadores semelhantes, sejam comidas por quem come secções de Opinião como se fossem a ração de combate para usar no campo de batalha que são as caixas de comentários.

Primeira falácia: “os jovens, porque o são, não têm conhecimento suficiente, por isso devem cingir-se a causas”.

A idade, peço desculpa, não é um posto. Não em democracia, na urna pesa tudo o mesmo. Na opinião pública deveria pesar o conhecimento. Então porque é que os jovens estão tão interessados na causa ambiental e defesa dos animais?

Com toda a humildade, assim como alguém que tenha 65 anos e tenha uma Licenciatura em Engenharia de Minas sabe muito melhor que eu, com 21 anos, Licenciado em Economia, se o lítio deverá ser explorado ou não, eu sei, salvo limitadíssimas exceções, mais sobre Finanças Públicas. Como um aluno de 18 anos do ensino secundário sabe muito melhor o ridículo que são os exames nacionais. Como um recém-licenciado enfermeiro sabe muito melhor sobre saúde pública. Como um recém-advogado sabe muito melhor a Constituição Portuguesa. Como um recruta sabe muito melhor o que é um paiol de armas.

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A idade, peço desculpa, não é um posto. Não em democracia, na urna pesa tudo o mesmo. Na opinião pública deveria pesar o conhecimento. Então porque é que os jovens estão tão interessados na causa ambiental e defesa dos animais?

Podemos dizer que é um assunto que apela à emoção. “Ah, a natureza, tão bela, não temos planeta B! Olha uma selfie de mim e de um bichinho, tão giro. Vou fazer um cartaz com o planeta e vou para a frente do parlamento tirar uma foto, vai ficar mesmo fixe no meu Instagram.”

Isto deve ser o que um comentador típico, no alto dos seus problemas de fundo e conhecimento profundo sobre todas as matérias possíveis e imaginárias jamais discutidas no parlamento deve achar da “causa ambiental” movida pelos jovens. Será que é mesmo assim? Será que é por ser “cool”?

Eu acho que não. O argumento vulgarmente ouvido é a óbvia razão de que se o planeta fica insuportável para a vida humana, nós jovens morremos todos. Mas isso justificaria, por si só, o massivo envolvimento dos jovens na política e no interesse pelas decisões políticas acerca deste tema? O mesmo argumento pode ser dado, por exemplo, para a questão da Segurança Social. Em último caso, caso nós jovens cheguemos a ter 70 anos e a nossa reforma não existir e precisemos de continuar a trabalhar para ter sustento, acabamos por morrer na mesma muito antes da nossa esperança média de vida. O mesmo para a Saúde: se com 35 anos tiver uma pneumonia e tiver de esperar 5 semanas para atendimento, certamente também morrerei muito antes até, sequer, do tal Planeta A acabar.

O ambiente é mais interessante para os jovens do que a gestão das contas públicas e do sistema económico e político, poderão dizer-me. Eu tenderei a concordar. Mas porque será assim? Porque é que o fenómeno da retenção da radiação solar pelos gases que compõe a atmosfera é mais interessante, para um jovem, do que a noção de rendimento e a sua distribuição, a noção de produção e de crescimento económico?

Será que é porque os jovens passam, pelo menos, 9 anos de escolaridade obrigatória a aprender sobre o primeiro e nada sobre o segundo? Será que é porque um típico jovem sai do ensino secundário a saber calcular a energia emitida por um eletrão ao transitar entre níveis de energia, mas não a saber distinguir o que é um depósito à ordem ou a prazo?

Assim como é chocante reduzir os jovens a “causas”, é chocante não haver uma unidade curricular sobre finanças pessoais. Já nem peço públicas. Pelo menos deem-nos finanças pessoais. É assombroso como o Estado está mais preocupado em tentar reinterpretar a História.

Os jovens interessam-se e mobilizam-se sobre aquilo que sabem. Os jovens estão altamente informados sobre a “questão ambiental”, por isso é que são uma força tão mobilizadora e ouvida neste campo. Já em questões de adultos como o funcionamento do parlamento ou os impostos os jovens não sabem nada. Pior, acham que sabem, porque os mesmos que se agarram às questões mais familiares aos jovens, uma vez tendo a atenção deles, dão-lhes a ração de combate que eles precisam em todos os outros campos para se tornarem soldados polivalentes nas redes sociais.

Assim como é chocante reduzir os jovens a “causas”, é chocante não haver uma unidade curricular sobre finanças pessoais. Já nem peço públicas. Pelo menos deem-nos finanças pessoais. É assombroso como o Estado está mais preocupado em tentar reinterpretar a História, do que a educar os futuros decisores sobre o sistema em que vivem. É assombroso reduzir os jovens às “causas” porque não se lhes dá ferramentas para as questões de fundo.

Seria assombroso pensar que essa falta de passagem de informação era intencional. Mas alguém se deve ter esquecido, certamente.

Segunda falácia: “deixa estar os abstencionistas, que se eles se levantam do sarcófago para ir às urnas votar, não se aguenta com o pó, nem com as ideias cinzentas que eles defendem”

Será que li nesta falácia: “estou cheio de medo do André Ventura”?

Só tem medo do André Ventura quem não sabe contrapor André Ventura. Quem não sabe contextualizar André Ventura. Quem tem medo de que André Ventura diga verdades indesejadas.

Ora, verdades todos os políticos sabem dizer. “Temos de acabar com a pobreza”. Certo, temos. “Temos de acabar com a corrupção”. Verdade, precisamos. “As pessoas merecem ser tratadas de forma igual”. Correto, necessitam.

A maneira de atacar estes problemas é que será diferente de ideologia para ideologia. De cor partidária, para cor partidária. Saber distinguir as ideias certas das erradas é que já envolve sabedoria. Sabedoria essa que não foi dada, em devido tempo, à população. Então o remendo será tentar disfarçar que quem tem ideias diferentes pertence a outro Planeta. A um Planeta radical e xenófobo, onde só cabem ricos e racistas.

Talvez o objetivo seja mesmo esse: tornar-nos numa minoria pequena, com acesso à informação, com debate livre entre nós e mandarmos na maioria grande, mal-educada e ignorante por vontade própria, que só apoia ideias caducas e grosseiras, ideias para as quais a nossa democracia incorruptível, plural e arejada não tem sequer ouvidos, quanto mais uma voz.

Ter medo do que 51,4% dos eleitores têm para dizer é admitir um conjunto de situações. Que o voto deveria ser reservado a uma elite mais ou menos bem informada, que é democrática e segue o padrão, que eu, burocrata do Estado, acho que está correto. É admitir que 51,4% dos eleitores estão tão mal informados e tão mal-educados, que a expressão da opinião destes seria uma calamidade para o país. É assumir, então, que o mesmo Estado que decide quase todos os aspetos da vida dos cidadãos, falhou redondamente na passagem de informação acerca do seu funcionamento. É admitir que é preferível estar assim do que encontrar soluções para resolver o problema, não vá essa resolução mudar isto tudo e acabemos, por ridículo, por nos tornar um país que legaliza a venda e consumo de drogas e que impõe o mesmo regime jurídico a todas as pessoas que vivem no seu território. Credo, isso não queremos. Que ultraje. Que afronta aos valores morais e às minorias do Estado de Direito.

O mesmo Estado que falhou com a mãe que deitou o bebé ao lixo, e por isso tenta perceber as motivações que a levaram a fazer isso é o mesmo Estado que é sobranceiro o suficiente para achar que não falhou com quem não lhe confere confiança e autoridade, e por isso ignora-os e insulta-os.

Se calhar o melhor a fazer é tomar a posição mais adulta e institucionalmente estável: deixar estar assim. Deixemo-nos estar a comentar as decisões tomadas por quem foi eleito pela minoria. Porque talvez o objetivo é mesmo esse: tornar-nos numa minoria pequena, com acesso à informação, com debate livre entre nós e mandarmos na maioria grande, mal-educada e ignorante por vontade própria, que só apoia ideias caducas e grosseiras, ideias para as quais a nossa democracia incorruptível, plural e arejada não tem sequer ouvidos, quanto mais uma voz.