Em 2018, foi publicado um artigo científico intitulado “The revenge of the places that don’t matter” (“A vingança dos lugares que não importam) por Andrés Rodríguez-Pose. O artigo, amplamente citado na academia e na política europeia, fala sobre os lugares com persistente falta de oportunidades, fraco desenvolvimento económico e social, sem perspectivas de futuro e esquecidos pela maior parte das políticas e políticos. O autor argumenta que é nestes lugares que melhor proliferam os movimentos políticos populistas, que cavalgam na insatisfação e descontentamento da população. Movimentos estes que levaram à eleição de Donald Trump, ao Brexit, ao crescimento dos extremismos na Europa, ou até a conflitos armados (na Colômbia e no Perú) como forma de revolta ou vingança dos lugares esquecidos pelo poder político e económico instalado.

Portugal aproxima-se de umas eleições muito importantes para o seu futuro próximo. Mas também em Portugal há lugares que não importam, esquecidos, com falta de oportunidades e sem perspectivas de futuro. Portugal, o país mais centralizado da Europa, é o país em que os distritos do interior representam dois terços da área de Portugal continental, e em que os mesmos distritos elegem menos deputados do que o círculo de Lisboa.

Mas se isso era um dado adquirido, tem ficado também claro que os problemas de 2/3 do país e a coesão territorial estão praticamente de fora dos debates e da campanha eleitoral. Talvez seja um tema demasiado complexo e que não sirva para os típicos soundbites, ou talvez, de facto, para a maioria dos candidatos, há temas e lugares que não importam nestas eleições.

Nos programas eleitorais pouco se diz sobre como resolver o ciclo vicioso de desenvolvimento económico e social que se agrava cada vez mais em 2/3 do nosso país. Há partidos que nem sequer falam no assunto. Há partidos (a maioria) que apenas apresenta medidas soltas (políticas fiscais atractivas, teletrabalho, promoção da produção nacional, transferência de serviços e infraestruturas da administração central, melhorar a rede ferroviária, etc.), que como se tem visto nas últimas décadas não passam de pensos rápidos que rapidamente são ultrapassados por uma sociedade em constante mudança. E há partidos, que apesar de colocarem a “Coesão Territorial” como secção importante no seu programa, poucas reformas de fundo apresentam para resolver de vez este problema.

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A descentralização, enche a boca e agrada a todos, mas pouco se percebe como a pretendem fazer. A regionalização, sim para alguns, não para outros, “logo se vê” para a maioria. E assim ficamos, mais uma vez, com uma agremiação de políticas soltas que bem demonstram a importância que se dá a alguns lugares “esquecidos”, ou neste caso, que não dão votos.

Sei que nos próximos tempos os holofotes continuarão em Lisboa e que por lá ficarão até que a crise política se resolva, mas espero que o próximo Parlamento e Governo consigam, de uma vez por todas, e aproveitando os milhões da bazuca e as oportunidades criadas pela pandemia, girar os holofotes para outros sítios e começar a “importar-se” com todos os lugares e com todos os portugueses.

Combater desigualdades territoriais é combater desigualdades económicas e sociais, é combater “a vingança dos lugares que não importam”, é combater populismos e extremismos de todo o tipo, e esse devia ser, sem dúvida, um desígnio destas eleições e de todos nós.

João Almeida

21/01/2021