Na SIC, Henrique Monteiro, inteligente e razoável, apela à esquerda para que compreenda porque foi que Trump foi presidente, porque foi que Bolsonaro perdeu por apenas 2 milhões de votos, apesar de obter mais votos do que aqueles com que foi eleito presidente. É preciso ver o que se passa, diz. Mas na frase seguinte, Henrique Monteiro diz que os votantes de Trump são estúpidos. Ou seja, Henrique Monteiro não tem vontade de compreender coisa nenhuma, embora vá admitindo, com alívio, mal reparando no que diz, que as vozes e os credos de criaturas como a jovem estrela dos democratas americanos, Ocasio-Cortez, uma comunista um pouco tonta (passe a tautologia), seriam fatais para os próprios democratas. Recomendou que se pensasse, mas não pensa — está mais preocupado com a cor do cabelo de Trump.
«A democracia em perigo», lá vêm eles com o dichote tremendista, desta vez por iniciativa do pobre Biden.
Querem eleger um desbocado como Bolsonaro em vez de um glorioso Lula, glorioso corrupto, chefe da glória do mais grave e oneroso período de corrupção no Brasil? Ah, a democracia está em perigo!
A direita quer respeitar o normal funcionamento das invejáveis instituições britânicas, em vez de derrubar um governo com maioria absoluta, para lá pôr os trabalhistas? A Inglaterra devia era ter um Jorge Sampaio, horror, a democracia está em perigo!
O centro e a direita querem impedir que o aborto seja uma imposição central aos diversos (diversos, de diversidade!) estados americanos? O centro e a direita querem que os Estados Unidos da América continuem a ser aquilo que fez o seu poderio e grandeza, uns estados unidos? A democracia está em perigo!
O centro e a direita são contra o aborto, contra a eutanásia, contra a transformação do mundo numa imensa Rocha Tarpeia, de onde se precipitassem velhos, doentes, deficientes e embriões, em nome do corpo digno? A direita é necrófoba, a democracia está em perigo!
A rematar — pedestre e curto — lá tivemos o Ribas a dizer na mesma SIC que, caso os republicanos consigam maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, isso não resolve nenhum dos problemas dos EUA que ele é que sabe quais são, e não são os que os republicanos disserem, diz ele.
São jornalistas, esses, que sopesam e peroram sobre realidades estrangeiras, sem que, no entanto, nem por uma vez — nem por uma — tenham lido, ou sabido, ou informado sobre o registo económico, social e político dos protagonistas que, a priori e do alto da sua omnisciência, decidiram que não prestam? Não, não são jornalistas.
São comentadores, esses, que veem tudo a preto e branco (Direita?, Fascista!; Conservador? Retrógrado!; Deus, Família e Estado-Nação? A democracia está em perigo!) ? Não, não são comentadores.
Não são comentadores, nem jornalistas. São palhaços. Têm os mesmos números estudados, repetidos, pouco atentos, pouco pensados. E estranham que as realidades os contrariem, e não reparam que a audiência vai diminuindo, diminuindo, diminuindo… Às portas da morte dirão que a democracia está em perigo! (Risos!)