Pode estar a pensar que serei só eu que considero que os políticos, pelo menos na sua maioria, desconhecem a realidade do país.
Mas não. Existem diversas citações de autores portugueses que abordam a relação dos políticos com a realidade portuguesa. José Saramago, escritor e Nobel de Literatura, afirmou que “Os políticos portugueses têm o estranho hábito de viver numa bolha, ignorando a realidade do país e as necessidades da população.” Na mesma linha de pensamento, Miguel Sousa Tavares, escritor e jornalista, referiu que a perceção que tinha era que “Os políticos portugueses parecem viver num mundo à parte, onde as suas decisões não têm qualquer relação com a vida dos cidadãos comuns.” No mesmo diapasão, um outro escritor, António Lobo Antunes, aludiu que “Os políticos portugueses são como as aves que voam sobre o país sem nunca pousar no chão e conhecer a sua realidade.”
Se está agora a pensar que estas afirmações não passam de uma cultura, tão portuguesa, de maldizer, de menosprezar o que é nosso, engane-se, porque até Luís Sepúlveda, também escritor, chileno neste caso, mas com ligações a Portugal, identificou nos políticos portugueses uma maior preocupação “com as suas próprias carreiras e interesses do que com as necessidades do país e das pessoas que representam.”
Não consigo não concordar e subscrever todas estas afirmações. Na passada semana, assisti, pela primeira vez, a uma assembleia de freguesia dos Olivais. A minha ida à assembleia deveu-se, sobretudo, ao facto de no passado mês de fevereiro ter passado na TVI uma reportagem intitulada “Boys do PS custam mais de meio milhão aos Olivais.” O teor da reportagem era o de haver “mais um escândalo de alegada prevaricação, participação económica em negócio e favorecimento político, que levaram a Junta de Freguesia dos Olivais, em Lisboa, a gastar mais de meio milhão de euros em contratos suspeitos…”
Depois de ter visto atentamente a reportagem, tive acesso à convocatória para a reunião extraordinária onde o ponto único da ordem do dia seria a discussão dos alegados casos de nepotismo. A sala estava quase cheia, algo pouco comum, segundo os vogais, e as condições estariam criadas para que houvesse uma sessão de esclarecimento. Estamos a falar de uma das mais populosas freguesias de Lisboa e consequentemente com um dos maiores orçamentos. A junta estaria a cometer alegadas ilegalidades na contratação de familiares ou equiparados a cônjuges para os seus quadros. Se isto por si só já seria merecedor de uma investigação do ministério público, então depois de se saber, na própria assembleia, que esses contratos foram assinados num dia feriado, 1 de janeiro, e que nesse dia conseguiram contratar e assinar presencialmente 72 contratos, poderemos estar perante um caso grave de ilegalidade, merecedor de investigação criminal. Não saberemos quanto tempo demorará a comprovar estas alegadas ilegalidades, mas uma coisa é certa, são estes executivos que fazem com que as pessoas desacreditem na política, se divorciem dela e não estejam motivadas para serem participantes.
Depois de todos os vogais dos diferentes partidos da oposição, unida e sincronizada na mensagem de repúdio dos alegados atos praticados, ter feito as intervenções, a Sra. Presidente teve o desplante de ir ler um discurso autoelogioso, de pura propaganda política, desfasado da realidade na medida em que não respondeu às perguntas, que visavam o esclarecimento da assembleia e da população presente, atitude demonstrativa do desprezo pela comunidade olivalense, para além de deplorável e que desvaloriza a política. Os vogais dos partidos da oposição bem tentaram ouvir alguma resposta da presidente, mas esta achou que o preferível seria, prudente e criteriosamente, fugir das perguntas e falar daquilo que lhe interessava. Saí, já para lá da meia-noite, desgostoso e a pensar em quantas assembleias decorreriam nestes termos, em que o executivo não gosta de ser escrutinado, onde o executivo acha que pode gerir o dinheiro público como se fosse dele, beneficiando amigos, conhecidos e até familiares, dando esmolas para ganhar votos?
Serão muitos, com certeza, pois só isso poderá justificar a abstenção escandalosa que temos nas eleições, o crescimento dos partidos de protesto, que dizem exatamente aquilo que queremos ouvir e o cada vez mais profundo afastamento da competência da política. O mundo dos políticos e o mundo das pessoas, o país real, são de facto dois mundos diferentes, que se regem por valores morais diferentes. Num, tudo se pode, no outro espera-se pela bondade dos primeiros para se poder qualquer coisa.